quinta-feira, 25 de março de 2021

Funeral Blues




De manhã comprámos margaridas. 
Pela tarde plantámo-las no canteiro grande do jardim. 
À noite morreu Kierkegaard, o cão Pirata.
Morremos de faces encostadas e pata na mão, como se deve morrer no amor e na guerra. 
Morremos ambos, porque uma parte de mim morreu com ele. Talvez a melhor. Os livros nada ensinam sobre o sofrimento que é perder um cão e os amigos distraídos levantam o sobrolho e dizem “mas calma, é só um cão”.
Mas não é só um cão. 
É Kierkegaard, o cão Pirata. Testemunha de significativa parte da minha vida. Companheiro de aventuras. Inimigo do leão que surge no início dos filmes da MGM; do secador de cabelo; do aspirador; dos limpa-parabrisas; da chuva e de todos os jardineiros deste mundo. 
Cão melómano, fã de Puccini e da Madame Butterfly. Ouvinte dedicado das minhas tardes de piano, junto do qual gostava de se deitar, para depois levantar a cabeça em protesto aquando das falhas mais críticas. 
Feroz guarda da porta para onde corria, com as unhas sempre demasiado compridas, a baterem de encontro ao soalho. 
Parceiro de sofá e aquecedor biológico nos dias mais frios. 
Patrão, escravo e amigo. 
Quase de certeza, a minha única relação verdadeiramente desinteressada. 
A casa aumentou de tamanho. 
O silêncio é uma noite contínua.
O meu colo ficou vazio. 
Sou uma mulher-sem-cão.
Morreu Kierkegaard, o cão Pirata! 
Batam em latas ou mandem tocar todos os sinos de todas as igrejas.
 Morreu o meu melhor amigo!

17 comentários:

  1. Oh, Cuca... tenho muita pena, muita.
    Não havendo consolo, fica o meu abarço sentido.

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  2. Minha querida Cuca, perdi recentemente Taeko e Yukika, duas companheiras de uma vida que terminou com elas. Partilho da tua dor.
    Um abraço, Capitã.

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  3. Um enorme abraço para si, Capitã. Kierkegaard havia de gostar de ler estas suas palavras, tenho para mim que, com a sua sabedoria de cão que viu muitas luas, se finou ciente de todas as pequenas mordomias que o aconchegaram e de todas as cumplicidades que merecidamente o elevaram a esse estatuto de amigo para todas as horas.

    (sei um bom bocado de perder cães, mais do que aquilo que seria necessário, e digo-lhe que as dores assim só se atenuam como os finais dos grandes amores, afeiçoando-nos a um novo)

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  4. Ai, Cuca.
    Também quero, mesmo de coração, deixar um abraço.

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  5. Um abracinho amigo.
    A minha filha também perdeu este ano um amigo de quatro patas, veio tão pequenino e cresceram juntos.
    ~CC~

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  6. Deixo um abraço apertado. Use o meu ombro para chorar tudo o que quiser e precisar.

    Também conheço a dor da perda de um melhor amigo, o único desinteressado. E a dor da indiferença: "É só um cão". Por estas é que jamais é só um cão.

    Subscrevo as palavras do PMS: quando a dor se diluir, dedique esse amor a um outro amigo. Só de pensar no nome que lhe dará, vai conseguir sorrir, verá.

    Um abraço do Algarve,

    Sandra Martins

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  7. É claro que não é só um cão. Tenho a minha cabeça encostada à tua, querida Cuca.

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  8. Já tinha matéria para fazer um atalhos de cão, mas nunca para chegar a um bulldog francês que viveu e morreu por uma pirata *no amor e na guerra*. Mas acho que foi no amor. Como só um cão sabe morrer.

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  9. Lamento tanto, Cuca, minha querida Laruca.
    Eu é mais gatos, mas namoro (vendo bem, foi sempre assim) com uma criatura que já teve 11-onze-11 cães, e bem observo o carinho que dedica aos dois actuais, sabendo que tive que fazer um enorme esforço para saber com que soubessem que era oseu território...

    Lamento tanto, querida Cuca, linda Laruca :(

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  10. É um triste consolo, mas acredito verdadeiramente que se encontrarão de novo. Um abraço. Noodles.

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  11. Sei tão bem pelo que passas, Cuca.
    Claro que não era só um cão, essa ideia só pode partir de quem nunca viveu um sentimento assim.

    http://porfalarnoutracoisa.sapo.pt/2014/02/o-meu-melhor-amigo-esta-no-ceu.html

    Um enorme abraço

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  12. Obrigada a todos pelas vossas palavras. Encheram-me a almita vazia.

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  13. Cuca, eu que ja perdi alguns bichinhos sei do que fala. Efectivamente a sensação é de perda de um amigo.
    Nenhum outro bichinho irá jamais substituir esse...mas daqui a jns tempos deixe-se apaixonar por outro. Vai ajudar tanto.
    Forca capitã
    Virgínia Wolf

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    1. ... aliás, nao é bem a perda de um amigo, é mais a perda de um companheiro... um "cãopanheiro".
      Vw

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  14. A comoção, às vezes, escapa do coração, pelas ruas dos dedos, de modo a atingir o coração dos outros.
    Tão comovente é a dor desta forma chorada.

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