sábado, 23 de janeiro de 2021

Mar

“Whenever I find myself growing grim about the mouth; whenever it is a damp, drizzly November in my soul; whenever I find myself involuntarily pausing before coffin warehouses, and bringing up the rear of every funeral I meet; and especially whenever my hypos get such an upper hand of me, that it requires a strong moral principle to prevent me from deliberately stepping into the street, and methodically knocking people's hats off - then, I account it high time to get to sea as soon as I can.” 
― Herman Melville, Moby-Dick

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Starry Night

Deixei de viver dentro de um livro de poemas, 
algures entre a segunda e a terceira dança. 
Era difícil, 
no espaço entre dois versos, 
unir as mãos e dançar contigo 
todos os acordes do infinito.
Mas quando se aprende a viver
dentro de um livro de poemas,
Amor,
não se retorna à claustrofobia dos espaços.
Sou a habitante discreta de todas as caixas de magia.
Espreito do interior dos espelhos desta casa
E adormeço dentro dos quadros. 
Às vezes navego no veleiro pendurado sobre o piano 
E outras, muitas, quase todas, 
Amanheço no crepúsculo do Van Gogh
que resgatámos de uma noite de Nova Iorque. 
Ancorada nos teus pés, 
deixei de deambular, sonâmbula, 
sob a lua das praias geladas 
e de me pendurar, pelas sombras,
nos mais escuros telhados de lisboa. 
E são teus os dias, as  noites,
Todos os crepúsculos e todas as albas.
Mas quando não souberes de mim,
Amor, 
procura-me nas coisas inanimadas,
para as quais ainda me arrasta
esta estranha sede de magia.




sábado, 16 de janeiro de 2021

Talvez o fim do mundo

Estão nuas as árvores da minha rua. 
Em tempos houve um gaio na floreira da janela. 
Desapareceu quando o tentei subornar com aveia. 
É manhã de sábado e o mundo parece suspenso na imobilidade. São as minhas manhãs preferidas.
Sentada no chão do escritório, velo a estante sem livros novos e lastimo a minha negligência.
Não tenho mais livros para ler e parece que já os não vendem.
O fim do mundo, penso, deve ser qualquer coisa assim. 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

(Temporary Backup) Minuet in D Minor

Estão vinte e seis graus dentro da sala. 
Deitada na chaise long do sofá, com o cão a ressonar encostado à minha perna esquerda, observo a expressão do meu amor enquanto aprende na guitarra o Minuet in D minor. 
Será a música do novo confinamento. 

Tenho saudades dos meus amigos, de passear no Chiado, dos teatros, de ouvir e ver tocar música ao vivo, de jantar em restaurantes, de comer batatas fritas, de aterrar numa cidade desconhecida. Também tenho saudades de abraçar as pessoas de quem gosto, mas sobre isso escolho não pensar. 
Sei que a minha gaiola é dourada e tem vista para o Tejo. 
Esse que corre indiferente à angústia das margens e ensina a lição que eu preciso aprender. 
Correr indiferente à angústia das margens e agradecer o Minuet in D minor; estes vinte e seis graus e os dedos do meu amor na guitarra.



segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Medicamentos do coração

Sofri suficientes desgostos de amor para conhecer de cor cada um dos degraus de pedra de que são feitas as minhas escadas de Kubler-Ross. São altas e retorcidas. Enquanto rastejava por elas, acima ou abaixo, consoante a época do ano, a incidência da luz e os períodos de recessão ou progressão, tive oportunidade de aprender o equivalente a todo um curso superior de geologia. 
Sei muitas coisas sobre corações partidos e ainda mais coisas sobre a alquimia das substâncias que compõem a cola capaz de os endireitar. Experimentei a hiperatividade; a inércia; o áudiolivro do Melville e a sua baleia branca; todos os Jane Austen; a tradução de poemas ingleses; o estudo dos árabes; as festas e a eremitagem. Nunca acreditei no poder curativo do amor, talvez por, antes, ter sido esse mesmo a fonte da doença e eu saber há muitos anos que o que é parte do problema jamais pode ser parte da solução.
Finalmente, tive o meu primeiro desgosto que não foi de amor. Aprendi que quando não é de amor, é só de dor. Tudo o mais é basicamente igual, pois a infelicidade é monocromaticamente aborrecida e as lágrimas sabem sempre ao mesmo. 
Quando o desgosto não é de amor, sei-o agora, o amor é cura e antídoto. 
Passei os últimos dias embrulhada no silêncio da natureza e nos braços do meu amor, com o tempo suspenso na lenta espera da cicatrização dos tecidos. 
O amor, fiquem sabendo, é um corticóide de ação rápida. 

How much do you love me