Um erro nas coordenadas do GPS em segunda mão que comprei para instalar no navio Pirata, fez com que a minha tripulação se desviasse da rota do Bósforo, onde os deveria encontrar após a expedição de Bizâncio, e tenha ancorado ali para os lados da marina de Lagos. Como é evidente, estes bravos Piratas são-me fiéis e foi um erro verdadeiro e não uma vil desculpa para se fazerem transportar para as praias algarvias, cedendo ao não menos vil impulso burguês de passarem os últimos dias de verão nas filas de estacionamento para a praia e as últimas noites nas filas de estabelecimentos noturnos que prometem festas brancas.
Hoje, pela hora de almoço, depois de escalar as pilhas de corpos de banhistas que se acumulam na praia, consegui finalmente alugar uma daquelas gaivotas com escorregas e, fazendo transportar o espólio da expedição Bizantina, alcançar o navio.
Sem surpresa nenhuma, constato que a anarquia continua a ser a melhor forma de governo, pelo menos, entre gente que se rege pelos códigos morais do crime. Encontrei o navio e a respetiva tripulação razoavelmente inteiros e exceção feita ao estranho caso do GPS avariado parece que na minha ausência não sucederam bizarrias de maior.
A minha tripulação recebeu-me com um faustoso almoço de boas vindas (catering roubado a uma restaurante local com nome de praia) e quarenta lugares a mais na mesa. Tive de lhes explicar que os quarenta ladrões morreram todos cobardemente antes do final do conto, razão pela qual me foi impossível contratá-los. (A morte cobarde e não a morte propriamente dita, bem entendido, que essa nunca nos impediu de contratar ninguém e que o diga Álvaro de Campos, logo à noite quando estiver em condições de falar).
Depois da distribuição daqueles olhos turcos com íman para colar no frigorífico que lhes trouxe como recuerdos, apresentaram-me o plano que referendaram na minha ausência e que, em síntese simplificadora, passa por permanecermos nas proximidades da marina de Lagos, passando os últimos dias do verão nas filas de estacionamento para as praias e as últimas noites nas filas dos estabelecimentos noturnos que prometem festas brancas.