sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Ruínas


Só ficou a espuma do mar a bater nas rochas enquadradas pela grande varanda do edifício abandonado. Eramos nós os restos humanos sob o sol da uma da tarde. Os meus pés embrulhados nas silvas e os teus em frente aos meus. Colados. O olhar que se elevou dos graffitis das paredes esburacadas a tempo de surpreender uma expressão desvairada. A tua voz a sobrepor-se à das ondas com uma canção mais desesperada do que pura que desfaleceu num murmúrio, desfez-se nos meus ouvidos, morreu na minha boca. Os braços de gigante que me arrancaram da terra e me embalaram num mundo de fadas azuis de asas feitas do arco-íris. Duas almas e uma rosa entre os dentes a dançar um tango de facas depostas com o tempo já derrotado pela força do teu desespero. Foi o dia em que o mundo encolheu tanto que tudo o que sobrou foram as ruínas de uma varanda sobre o mar, silvas a nascerem-nos dos pés, uma veia do pescoço a exibir as batidas do coração, duas mãos fundidas em algo mais do que pele, carne, ossos, claves de sol do teu amor a caírem sobre uma pauta vazia e a transformarem-se na voz dos anjos. Muito ao fundo.
E nunca fui tão feliz como na tarde em que, pela primeira vez, me despedi para sempre de ti.

1 comentário:

  1. Despedir-se de quem se ama, deixar partir, deixar ir... A vitória sobre o desespero e a raiva, finalmente. Um Suspiro profundo, agridoce ...

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