sábado, 13 de julho de 2013

Gualtiero, o Italiano





Os ex-reclusos contratados para Piratas chegaram ontem à noite ao navio e, por razões que não consigo de forma alguma compreender, insistem em ficar discretamente recolhidos nas suas camaratas, dizendo que até sairmos de águas nacionais não estão interessados em ver a paisagem. A única justificação que me ocorre para esta atitude é que estejam a atravessar uma fase de "desmame", numa progressiva habituação à liberdade. Ainda pensei em confirmar esta ideia através dessa ciência útil e séria que é a psicologia mas depois lembrei-me que, no dia em que me mudei para o navio e decidi só trazer o essencial, a primeira coisa que queimei na grande fogueira que fiz lá no jardim do condomínio privado onde vivia foram todos os meus livros de psicologia. Arderam lindamente, por sinal.
Para evitar lidar diretamente com o grupo dos ex-reclusos; não ser obrigada a decorar-lhes os nomes e poupar-me os incómodos das relações humanas (para isso já me bastam as crises de prima dona do Andhrimnir, o cozinheiro Pirata), pedi-lhes que elegessem um porta voz.
O eleito chama-se Gualtiero, diz-se italiano e esta tarde sentámo-nos os dois na proa a almoçar um suportável bacalhau com natas feito na bimbi que fui obrigada a comprar a Andhrimnir, o cozinheiro Pirata.
Os italianos têm um incansável prazer em verbalizar coisas e, apesar do meu evidente desinteresse pela sua vida, passou as duas horas do almoço a debitar-me esta história:
Gualtiero, o Italiano, foi para Pirata aos dezoito anos para curar um desgosto de amor por uma tal de Imogene. Uma certa madrugada, o navio onde pirateava naufragou (naufraga-se sempre de madrugada, toda a gente sabe) e ele acabou recolhido num castelo que, por força daquelas coincidências do destino que eu pensava que só me aconteciam a mim, pertencia à dita da Imogene e ao homem com quem esta, entretanto, se havia casado. Imogene, certamente uma intriguista a querer aproveitar-se do coração de ouro de Gualtiero, o Italiano, convenceu-o que só se casou com Ernesto sob coação e para salvar a vida do seu velho pai (nesta parte da história posso ter adormecido). 
Então, decidido a salvar a sua amada das garras do marido mau, Gualtiero desafiou Ernesto para um duelo e acabou por o matar, tendo-se entregue, sabe-se lá por que razões, à polícia portuguesa ali para os lados de Elvas. Foi condenado e preso e a parte mais trágica é que a ingrata Imogene, demasiado ocupada a administrar a fortuna que herdou de Ernesto, nem um mísero panetone lhe foi levar à prisão.
Enquanto ele secava as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto e eu contemplava a marina, imbuída de um profundo sentimento de simpatia por Imogene e já a congeminar uma forma de descobrir a morada desse tal castelo para lhe enviar um convite formal para esta empreitada, veio-me à memória uma certa noite passada no La Fenice, em Veneza, onde, pasme-se, vi encenada em palco, a vida do meu porta voz dos ex-reclusos, Gualtiero, o Italiano.
Foi disto que me lembrei:


Só fiquei um bocado confusa porque dizia-se no libretto que a ópera de Vincenzo Bellini, esse usurpador de histórias de vida dos meus piratas, estreou no Scala em 1827, o que faria de Gualtiero, o Italiano, o homem mais bem conservado de sempre.
Agora, assim a frio, penso que deve ter sido um lapso da gráfica.

6 comentários:

  1. Esta coisa da pirataria começa a impressionar-me. Eu cozinho sem máquinas, o que é uma vantagem competitiva. Liberte-se desse cozinheiro, faça a coisa parecer um acidente.

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    1. Temo que o Pipoco tenha excesso de qualificações para o lugar de cozinheiro. Mas ofereço-lho o de capitão em part time. Para fazer as minhas folgas. Hey oh?

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    2. Cuca, a minha religião não me permite papéis secundários.

      Vou tomar conta do navio, aprisioná-la no porão, junto às bolachas de água e sal e barricas de rum. E cozinho.

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  2. Pergunto-me se Pipoco não será preconceituoso demais para o papel de capitão duma embarcação pirata... até mesmo para os dias de folga da Grande Capitã Cooka... piratas são espíritos livres e não pessoas snob-chiques arreigadas a tradições centenárias... mas quem melhor do que a Capitã saberá saberá quem mais lhe convém ?

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  3. Gosto de saber que há italianos na pirataria, vai dar um jeitão para desenferrujar a língua. Italiana, pois claro.

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