quarta-feira, 26 de maio de 2010

INVEJA

Sou, por natureza, uma pessoa invejosa.
O alvo da minha inveja é constante desde que me conheço por gente: mulheres mais bonitas do que eu e apaixonadas.
Podem ter a inteligência de uma anémona, as posses de um monge mendicante, o mau gosto de uma esteticista de bairro. A minha inveja é implacável. Desde que sejam mais bonitas do que eu e tenham um ar profundamente apaixonado desencadeiam-me imediatamente uma onda invejosa-rancorosa que me faz imaginar-lhes, para meu próprio consolo, uma vida escondida de tédio, dramas e, se forem mesmo muito bonitas, desgostos profundos.
Com o tempo habituei-me a viver com este defeito de carácter, hiperbolizando-o em vez de o esconder. A assunção pública do meu defeito, não o torna menor mas retira-lhe parte do carácter maligno e rancoroso.
Este domingo, a minha inveja conheceu novos e preocupantes domínios.
Estava eu, por motivos sociais, enfiada numa igreja, quando, subitamente, senti uma onda invejosa inundar-me as sandálias Jimmy Choo. (a inveja a mim ataca-me sempre pelos pés).
Inicialmente ainda tive esperança que o tsunami tivesse sido desencadeado pela perfeita loura de um metro e setenta e cinco, que estava serenamente sentada ao meu lado, nos seus fantásticos caracóis, enquanto mantinha o olhar preso ao do seu igualmente perfeito marido que, por sua vez, vigiava duas geneticamente perfeitas criancinhas, os quatro imbuídos de um irritante ar de família adoravelmente apaixonada por si própria.
Infelizmente, não eram eles que me estavam a incomodar.
O epicentro da minha inveja emitia vibrações directamente da nave da igreja. Era um homem com cerca de trinta e cinco anos, barba mal aparada e batina encarnada que estava despejar um sermão a uma congregação demasiado toldada pelo calor para o ouvir.
Depois de uma rápida sessão de auto-análise, descobri que subi um degrau em matéria de maus sentimentos.
O padre tinha um sorriso estranho, daqueles que vêm de dentro e que raramente conseguimos encontrar nas pessoas. Ria-se enquanto falava do mítico rei Midas, ria-se enquanto os miúdos da catequese se enganavam nas leituras do novo testamento e ria-se enquanto lhes perguntava se renunciavam a santanás.
O padre era profundamente feliz. E isso transbordava de forma tão insultuosa que teve o desplante de centrar o sermão no tema felicidade.
E eu dei por mim a despejar a minha energia invejosa numa criatura de deus que não tem mais nada que se lhe inveje, a não ser a felicidade.
Uma alma mais pura do que a minha, poderia ver nisto uma forma de evolução, uma espécie de espiritualização da inveja, um recentramento numa direcção menos fútil.
Por mim, acho uma catástrofe existencialista. Invejar louras apaixonadas é um tique feminino que, apesar de inconfessado, é habitual. Padres felizes? É o fundo do poço!!!

6 comentários:

  1. Começo a ficar (seriamente) preocupada contigo....

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  2. A minha admiração e estima por ti é directamente proporcional à tua deliciosa insanidade.
    Serei a tua visita mais dedicada se, um dia, vieres a retirar-te serenamente para um sanatório.

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  3. Por outro lado: as duas fotos mais à direita são produções de moda, certo?

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  4. Medusa, tinha ouvido falar num calendário feito por padres e penso que estas fotos fazem parte dessa experiência. mas vou invstigar melhor.

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  5. Quando forem ao sanatório levem-me tabaco, se faz favor.

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