domingo, 3 de julho de 2016

Sanidade mental

Todas as cidades deveriam ter um cemitério de amores perdidos. Uma aliança entre a geografia e a desilusão. Comprávamos amorosas lápides de mármore branco que, em ocasionais mas sentidas visitas, decoraríamos com coroas fúnebres de violetas ou margaridas. 
E um nome inscrito em letras douradas, ali, entre milhares de outros nomes, sob o sol e sob a chuva, a desvanecer-se ao ritmo do nosso esquecimento.
Como seria terapêutico, ter um depósito de amores perdidos. Um sítio onde os deixar, quando já não nos trazem qualquer préstimo e nem sequer cabem na organização doméstica.

18 comentários:

  1. Creio que tal possibilidade seria absolutamente terrível. Diria JLB a propósito de Funes «Pensé que cada una de mis palabras (que cada uno de mis gestos) perduraría en su implacable memoria.» Os amores, como as palavras e os gestos, têm direito a escapar à implacabilidade da memória -- ou seja, ao privilégio, ao sossego, do esquecimento.

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    1. Ora... É tudo uma questão de organização. Esqueceríamos mais rapidamente se tivéssemos onde os deixar...

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  2. Se a minha experiência contar posso acrescentar que escrever livros é o equivalente a um cemitério de amores perdidos. é terapêutico escrever contos, imprimi-los na loja de cópias mais próxima, trazê-los para casa, deixá-los a ganhar pó até que, um dia mais tarde, uma alusão, uma memória, um sentimento que nos transmitem nos faz voltar a esse cemitério da memória e podemos então verificar quem antes fômos, quem amámos, quem nos amou, quem machucámos, como evoluímos, como nos safamos no dia-a-dia, etc

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    1. Certo. Mas era muito mais prático comprar uma lápide num local adequado ao efeito e deixá-los para lá. Dissolvê-los em contos - apesar do aspeto sempre positivo que é a reciclagem - é um processo muito penoso!

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    2. Amiga Cuca, não abandones os teus mortos, não os deixes para lá, se o fizeres é uma parte de ti que estás a desprezar.

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    3. Há partes de mim que não merecem mais que o meu profundo desprezo.

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    4. Vendo a coisa pelo teu lado, só vejo um problema: os mortos desprezados tornam-se fantasmas, o que bem visto também pode ser poético: ter uma galeria de fantasmas ao dispor :)

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  3. Ora aqui tem um negócio com potencial,

    Se precisar de um sócio, ...

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    1. Estava a pensar assim numa coisa classe B+ e A. Espaço com zona lounge e caixas de alumínio escovado, na dimensão dos cofres mais pequenos dos bancos onde o cliente pode depositar os resíduos materiais do amor perdido (vg. Palermices sem valor material). Lápide de mármore italiano e tinta que se vá com o tempo, para manter aquela coisa da esperança. Podemos vender epitáfios mediante um fee extra. Anuidade mínima de três anos e com desconto para o segundo amor perdido. Pode partilhar a caixa com o primeiro ... "Assim como assim" é tudo a mesma coisa.

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    2. Eu tenho outra visão. Caixas transparentes com o amor perdido lá dentro, que se vão afundando num solo pantanoso, também de areia transparente, de forma a podermos certificar-nos de que a cada a dia a caixa está mais funda. Um sistema anti-retorno encarrega-se de que o percurso não possa ser invertido. Há requiens a tocar em loop e em batida dos Buraka Som Sistema. Por um valor adicional, uma app dá-nos em tempo real os gritos lancinantes do amor perdido, cada vez mais fraquinhos.

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    3. (elimine lá um dos meus comentários lá de cima, já me basta estar sempre o mesmo post, não vele am pensa estar sempre a escrever também o mesmo comentário)

      (concomitantemente terá que apagar este comentário também...)

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    4. Céus, essa versão Hi-tech é claramente vencedora! Quero!!!! Quero muito!!!!
      (É claramente uma gestão futurista das emoções. Já nem consigo imaginar o mundo sem luxuoso cemitério de amores perdidos)

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    5. Fiquei tão iluminada que até disse claramente duas vezes seguidas...

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    6. Podemos fazer uma parceria com a Bang & Ofulsen.

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    7. E então, temos sociedade? A Cuca entra com o capital e assegura as formalidades, eu entro com a genialidade?

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    8. Ouvi dizer que sou herdeira de uns pinhais. Isso é o tipo de coisa que se pode instalar num pinhal. Pinhais finíssimos, daqueles com nevoeiro nostálgico ...

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  4. Estava aqui a pensar naquelas pessoas que são verdadeiros destruidores de corações, quantitativamente falando - como é que é? Têm várias lápides em seu nome? (Isto pressupondo que terão destruído vários corações na mesma cidade, de forma algo regionalista, endémica.)

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