quinta-feira, 28 de julho de 2016

Palavras

A bem da libertação das palavras, queimou todas as cartas físicas e apagou as eletrónicas. Então as palavras soltaram-se da triste prisão da sua história e voaram livres pelos céus, em bandos migratórios, na busca de um reino onde um resto de verdade lhes restituísse o sentido da sua existência. Da varanda do convés, vi-as passar esta manhã. Voavam demasiado alto para que as pudesse alcançar com os braços erguidos. E, de uma forma ou de outra, nenhuma delas me pertenceu de verdade.

10 comentários:

  1. Nenhuma palavra nos pertence a partir do momento em que a pronunciamos.

    Beijos, Cuca :)

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    1. São duros tempos para a propriedade Privada, Maria Eu!!!
      Já não se consegue ter coisas!

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  2. Há muitos, muitos anos, certa pessoa com quem trocara anos de correspondência física (eram cartas à moda antiga, caligrafadas em papel e seladas, às vezes com selos reutilizados à custa de algum cuspe), resolveu devolver-me todas as cartas que lhe escrevera, assim mesmo, pelo correio. Não as contei, mas de certo ultrapassavam um milhar. Nunca soube interpretar tal acto.

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    1. que gesto absolutamente esvaziante, esse de remeter ao remetente as suas próprias palavras (e anos, e vida, e)...provavelmente, um dos episódios mais insólitos que li até hoje, L.K.

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    2. Olá alexandra :-)

      Talvez tenha na altura suspendido o julgamento, me ficando pela mera constatação do insólito, de forma a escusar-me ao esvaziamento. A esta distância, hoje, temporal e afectiva, continuo a preferir ceder.

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    3. Lady Kina, há que ver sempre a coisa pela positiva. Certamente quem te devolveu as cartas quis proteger-te da possibilidade de irem parar a mãos erradas. Assim em estilo tempos Jane Austen, ou como hoje ainda se faz quando de repente nos tornamos pessoas muito importantes e passa a ser incómodo ter coisas escritas pelo nosso punho a vadiar pelo mundo...

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    4. Alexandra,
      Devolver é melhor do que destruir.

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    5. Cuca Laruca, preferiria a destruição...e o silêncio que dela advém, e a paz (de resto, conheço a experiência, mas feita a dois :)

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  3. continuo a preferir o ecoponto de cartas...

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