segunda-feira, 7 de março de 2016

Sim, talvez tenha sido amor

Sim, talvez tenha sido amor.
É um rótulo de design post moderno 
que fica bem em qualquer frasco de vidro e aço escovado
desses que se esquecem na bancada da cozinha 
e onde o açúcar se vai entorrando com os anos
tornando-se pouco prático para consumo
numa pequena chávena de café que se quer amargo. 

Sim, talvez tenha sido amor. 
É uma explicação art decor
integrada no feng shui do sofá da sala de estar 
que não contradiz a dimensão pop do relógio de parede
com o tempo convenientemente congelado às dez e dez 
que é a hora da perfeição estética do mostrador 
e agente inibidor de toda a angústia que há na rotação da terra.

Afinal, o amor é sabão azul que se espalha na psoríase,
entranha-se na pele e, subindo a via sacra que vai das veias até à alma, 
ilumina as caves mais esconsas de qualquer mente embargada 
purificando-nos a todos do terrível pecado da banalidade 
em que aceitámos viver o resto dos nossos dias. 

Por isso, sim, talvez tenha sido amor, 
mas, por favor, querido, jura mais baixo, 
que ainda te ouvem os vizinhos
e acordas-me o cão. 


6 comentários:

  1. A corrosiva lengalenga das palavras que se destinam a polir a clara ordem da banalidade que gosta de se deitar no sofá. Muito bom, Cuca :)

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  2. bom bom, que até dá raiva :)
    pode ter sido...

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  3. Talvez tenha sido apenas (decor)ação.

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    Respostas
    1. (Decor) ação parece-me uma definição muito apropriada. Mais decor do que ação, ainda assim.

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