sábado, 5 de março de 2016

Se esta rua fosse minha

Foi a minha rua. E nela, atrás de uma das portas foi a nossa casa. Aquela por onde hoje passo sem olhar. 
É o mesmo o rapaz saltimbanco com o seu novo cão e o seu velho número. É a mesma a cigana da contrafação que me pergunta pelo senhor doutor. O mesmo, o dono da farmácia na sua bata apressada, ali a atravessar a rua. Mudaram de nome quase todos os restaurantes. Aquele é o senhor Carlos. Ainda sabe como gosto do café. Em silêncio.
Às vezes regresso à rua que foi minha. Respondo à cigana que o senhor doutor está muito bem, obrigada, que ficou em casa. Há oito anos que engano a cigana. Constato que, entretanto, esqueci quase todos os números. O número do telefone; das camisas; do passaporte. 
Mas lembro-me, ainda, de quantas árvores tem o lado esquerdo desta rua. 
Contei-as numa manhã de agosto. A rua estava deserta. O vestido era comprido e tinha flores azuis. Eu era para ter sido muito feliz. 
Foi há demasiado tempo.




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