Tendo regressado da aldeia à sua mansão a pé pela neve escurecida, Sleptsov sentou-se a um canto, numa cadeira estofada que não se recordava de ter usado antes. Era o tipo de coisa que acontece após uma grande calamidade. Não é um irmão, mas um conhecido de acaso, um qualquer vizinho da região a quem nunca se prestou grande atenção, com quem, em tempos normais, mal trocamos uma palavra, quem nos conforta com sensatez e gentileza e nos entrega o chapéu que deixámos cair depois de terminado o serviço fúnebre, quando vacilamos de desgosto, os dentes batem, as lágrimas cegam os olhos. O mesmo se pode dizer de objectos inanimados. Um quarto, mesmo o mais acolhedor e absurdamente pequeno na ala menos usada de uma grande casa de campo, tem um canto não vivido. E foi num canto desses que Sleptsov se sentou.
Natal, Contos Completos, Volume I, Teorema.
Nabokov não sabia apenas das palavras e é por isso que é um escritor inigualável. Sabia das coisas. Das pequenas coisas. Das nanocoisas.
Aquele degrau junto à soleira da porta. A arca encostada à parede do hall de entrada. Uma mesa redonda de café. A laje da casa de banho. Os lugares que o corpo escolhe para se deixar cair quando o choque, a dor, a náusea, fazem com que, ainda que por breves instantes, não se consiga caber em nenhum sítio conhecido.
«Foi precisamente o que me ocorreu: sim, estou a ver-te pela ultima vez. De facto, é o que penso sempre, sobre tudo, sobre todos. A minha vida é um perpétuo adeus a objectos e pessoas que muitas vezes não prestam a mínima atenção à minha saudação amarga, breve, louca.»
ResponderEliminarin Contos Completos, Volume II, Teorema
com mil raios e coriscos, Pirata! obrigaste-me a ir à estante. já me tinha esquecido da quantidade de Nabovok(s) que guardo...
Foi-me muito difícil conseguir esse volume II...
EliminarAcho-o ainda melhor do que o I.
Os contos do Nabokov são a coisa mais bonita que alguma vez alguém escreveu.
nanocoisas... assim são os "bons" :)
ResponderEliminara colocar na minha lista