sábado, 4 de junho de 2016

Diário de Bordo

Talvez por ação das ampolas de sargenor que tenho tomado para tentar disfarçar, se não o cansaço, pelo menos o tédio, esta manhã acordei antes de todos dominada pelo surpreendente desígnio de querer trabalhar. Considerando que o meu emprego é dominar o mundo, conquistar os mares e espalhar o terror, patati patatá, ocorreu-me que talvez pudesse começar por pilhar uma embarcação que, muito ao longe, avistei da minha janela.
Fui acordar Anhrminir que ressonava sonhos conturbados deitado na rede que instalou na frente da porta do meu quarto e ordenei-lhe que acordasse a tripulação. Andhriminnir protestou com os mesmos grunhos incompreensíveis que usa para manifestar todas as três emoções ao seu alcance, mas depois de lhe ter virado a rede ao contrário, atirando-o para o chão, lá se dignou obedecer.
Uma hora depois - estes piratas estão impregnados de manias burguesas como duches matinais, máscaras de beleza e outras excentricidades - estávamos todos sentados no convés do Navio, em redor de uma mesa de trabalho. 
Apesar do entusiasmo que coloquei na defesa do projeto e da utilização discursiva de muitos hey oh e arrrrg, a tripulação dividiu-se entre a inexpressividade e o ar levemente assustado de quem escuta uma alma perturbada. 
Quando terminei, os primeiros a falar foram os ex presidiários que, representados por Gualtiero, o Italiano, fizeram saber que, agora, não trabalham aos sábados. Seguiram-se os bloggers que pediram a palavra para dizer que aos sábados de manhã estão demasiado ocupados a fazer posts com fotografias de imaculados lençóis de riscas azuis e tabuleiros com pequenos almoços compostos por mueslis e fruta em taças de barro com florinhas. Os poetas fingiram nem sequer ter compreendido e disseram-se que se queria que escrevessem uma ode tinha de esperar pelo domingo à noite que é quando a musa angústia mais favorece as suas causas. 
Andhruminir e o papagaio Polly, nos últimos tempos inseparáveis amigos, dormitavam o outro sobre o um encostados a um mastro próximo.
A embarcação que decidi assaltar era agora um minúsculo ponto intermitente perdido no horizonte. 
Endureci a voz e disse-lhes que ainda que não me acompanhassem, iria eu, acompanhada pela minha espada, saquear aquele barco.
Um coro em acelerada dispersão desejou-me boa sorte. 
E agora, para salvar a dignidade, estou aqui no meio do mar, enfiada num bote, com este chapéu de capitã quentíssimo e uma espada demasiado pesada, a fazer de conta que ataco a reles traineira de pesca que tive a má sorte de ver da minha janela quando ainda estava com vontade de trabalhar. 




14 comentários:

  1. Quais são as coordenadas gps para se poder enviar um helicóptero de resgate e salvamento?

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    1. Uma capitã de verdade, até de tronco consegue regressar ao seu navio.
      :)

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  2. Que personagem dos blogs caberia a cada membro da tripulação do barco pirata? Dei por mim a imaginar que tipo de Andhriminnir daria o tio pipoco, se algum dia a Pirata fizesse um casting em jeito de peça de teatro para comemorar o final do ano lectivo (mas só daqueles que estudam sem as mães).

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    1. O PMS não poderia em nenhuma circunstância ser um Andrhriminir. Talvez possa resolver esse assunto inventando novas personagens.

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  3. Só o homem perfeito pode viver entre os seus contemporâneos, escreveu Zhuangzi. Como ninguém é perfeito, essa opção do bote parece-me ser -- até -- bastante aceitável.

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    1. Não se aplica ao meu caso. Sou perfeita. Tanto que não quero viver entre os meus contemporâneos.

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    2. Mas isso é, digamos, deitar borda fora um dos benefícios que advém da perfeição! Um desperdício, portanto. A imperfeição e o bote fazem "matchi-matchi" como dizem as escribas lá nos hebdomadários nas internetes.

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  4. Querida cuca, a Pirata,
    Muito embora não possa dizer que passei o sábado a trabalhar, posso, pelo menos, assegurar-lhe que estive ocupado.
    Amanhã - prometo - levo-a comigo.
    Um beijo,
    Outro Ente.

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  5. até que ia dar uma mão, ou duas, as sardinhas já me andam a cantar ao ouvido, mas fui acometido de uma dor que me apanha todo o costado... nem consigo olhar para a direita... só estou bem deitado no chão...arhhhh!

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  6. Minha capitã... capitona... pirata! Achei o bolo perfeito para comemorar a aventura no lado negro dos mares. Ainda por cima entra perfeitamente num tema b&w -- chiquíssimo, portanto!

    http://www.thegreatamericancake.com/media/galerias/bolospersonalizados/NEW%20square%20photos/web-gallery-12.jpg

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