Perturbou-me uma fotografia.
Entrou-me em casa por uma dessas equívocas janelas para o mundo. Entrou na minha sala branca de baunilha e jazz e velas e poemas e luz e silêncio espiritual e afasia.
Instalou-se com o insuportável ruído do trânsito histérico de uma cidade enlouquecida. Ficou ali, no meio da sala, a indelével nódoa tinta.
Perturbou-me a fotografia que traduz um instante do mundo que fica por trás da porta que mandei selar a betão.
O cenário, a disposição, a ordem e as cores eram exatamente as mesmas. Como a mesma era a expressão no rosto, o olhar oblíquo, o cair de um braço distraído sobre uma perna alheia.
Sei agora como pode sentir-se um fantasma subitamente descido sobre a existência a que a morte o arrancou.
Perturbou-me, sobretudo, mais do que a experiência da morte, a minha antiga expressão de inocência estampada no rosto de outra que em tempos também fui.
Entre mim e a minha usurpadora separam-nos muitos anos. Tantos quantos os que, também a ela, serão um dia necessários para recriar o mundo.
perturbações do passado?
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