quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Madama



Quando a Madama cantar a ária, quando a sua voz se elevar no ar, espalhando-se pela atmosfera, quando todos os cantos da sala se tiverem rendido, nessa altura, o Teatro desvanecer-se-á lentamente. As suas paredes serão substituídas pelas árvores da montanha. O palco será tomado pelo mar. Filas de cadeiras formarão a vereda que tantas vezes subi ao teu lado. A Madama a exorcizar uma dor futura nas colunas do rádio do carro. Os pinheiros velozes a fugirem na nossa direção. O espanto nos olhos dos pássaros com a angústia evadida através dos vidros abertos. E finalmente, o topo da montanha, o mar lá muito ao fundo, as notas diretamente da garganta da Madama para o azul dos sonhos no tecto imenso. 
Quando a Madama cantar a ária, regressarão aqueles dias em que nenhum amor havia ainda sido declarado extinto. Estaremos mais próximos do que as nossas mãos fundidas. 
Por um segundo, teremos a oportunidade de desdizer o tempo. 
Eu não olharei para trás e tu estarás lá, à saída do inferno. 
E então, nada disto será a verdade. 
A Madama tocará apenas para nós, no rádio de um carro, parado, no topo de uma montanha, vazia, com vista para o mar. E dançaremos novamente com o mesmo desespero de todos os dias. 
E desta vez, quando a música terminar, não regressarei a casa. E o amor nunca terá sido declarado extinto. Enquanto a Madama cantar a ária. 

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