Trouxe comigo o Herberto, na versão Os Passos em Volta, para almoçarmos em cima do mar e ordenei ao tempo que parasse durante uma hora. Quando o tempo para, não sei se sabem, o mundo deixa de girar. E é um alívio quando finalmente as coisas ficam quietas e se suspende o ruído terrível da grande roda sobre o eixo ferrugento e se congelam as sombras em perpétuo movimento na nossa direção.
Agora, com o tempo finalmente adormecido, restam-me apenas as palavras de Herberto, um pequeno barco à vela que se desloca na linha do horizonte, uma nuvem com a forma do golfinho que se evadiu no mar.
Daqui, do cimo do presente estagnado, consigo ver o futuro lá longe. Seis ou sete pessoas imóveis deitadas na praia à minha direita; os gestos congelados das famílias sentadas nas esplanadas atrás de mim; os autocarros que vieram para depositar num dos hotéis da minha estância balnear hordas de estudantes famintos de sol e ávidos de ruído.
Quando os ponteiros do relógio marcarem o fim dos sessenta minutos todos eles voltarão à vida e retomar-se-á o chio permanente da existência em contínuo e voltarão também todas as coisas que não se veem mas que nos pesam nas pálperas, como o passado e o futuro e os respetivos espectros e os objetos que nos escravizam e o mecanismo do quotidiano que nos esmaga,
Por ora, as sombras ficaram paradas a escassos centímetros das minhas mãos e apenas se ouvem as palavras do Herberto que se espalham pelo mar e pousam no barco que navega na linha do horizonte sob o olhar atento da nuvem que tem a forma do golfinho que se evadiu do mar.
E, assim, parado, o mundo é um lugar quase habitável.
Suspeito, Cuca, que esse minutos aprisionados, assim que se viram livre, esperaram o cair da noite e zás! roubaram companhia para todos. É que me falta uma hora no relógio e não vejo outra explicação...
ResponderEliminarÉ bem possível. Coisas estranhas acontecem quando se manda parar o tempo. É um poder para usar com parcimónia e apenas em situações desesperadas.
EliminarQuerida Cuca,
ResponderEliminarEstá, então, descoberta a pirata que rapinou a hora e fez confundir o pequeno com o almoço.
Continuação de boa pausa,
Outro Ente.
Esta pirata escreveu o post antes de saber que a hora mudaria e quando decidiu parar o tempo não esperava tão globais consequências. Se soubesse, teria evitado a confissão pública. :)
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