Éramos para ser muito felizes numa daquelas casas de madeira pintadas de branco, com um terraço voltado para o mar, a terminar nos limites da areia da praia.
Dentro de casa ia ser tudo branco à exceção das capas dos livros que me lerias nas manhãs em que nos acordassem os uivos do vento norte. Então ficaria deitada com a cabeça no teu colo e os sentidos alugados a um poema de Wallace ou, havendo sol, a um verso de um qualquer árabe do século XII que por mero acaso tivéssemos desenterrado na véspera.
Éramos para almoçar em silêncio, na varanda, lado a lado e com os olhos presos no mar, um peixe pescado e assado por ti. Estaria vento mas não nos perturbaríamos com os objetos a fugirem da mesa e a dançarem numa espiral em nosso redor. Nem uma onda morreria antes que a guardássemos na retina.
Éramos para dançar ao por-do-sol na praia vazia perante uma plateia de gaivotas alinhadas em esquadria e à espera do crepúsculo.
À noite, centenas de velas iluminariam a banheira vintage, branca, onde me lavarias os cabelos ao som do jazz da Billie Holiday.
E haveria, por fim, de adormecer como acordei, com a tua voz, por entre os uivos do vento norte, a alimentar-me a alma com a metafísica esdrúxula de uma criatura ainda mais perturbada do que nós dois.
Éramos para ser pastores de gaivotas.
Mas depois pensámos melhor e achámos que era mais fácil continuarmos a ser o que não somos.
a sô dona Cuca devia ser proibida de escrever assim: é que é muito bonito, doí um bocado e cheira a verão.
ResponderEliminarE o tio noodles devia ser proibido de ficar tanto tempo sem aparecer por cá!
EliminarO que tu escreves fica-me frequentemente gravado, em rewind, eu a saborear. Este post foi assim.
ResponderEliminarE depois ia a conduzir ao sol, à hora de almoço, e ocorreu-me que o teu Herberto Hélder, se calhar, se lesse isto, faria uma certa inclinação de cabeça, ai faria, Cuca.
a maré veio, engoliu a casa e com ela as tardes e noites boas de aquecimento global. nunca mais nos dedicamos à pesca. de arrasto.
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