NINGUÉM
E um dia chegas a casa, olhas à tua volta, e é como se não tivesses existido, ou como se a tua presença fosse invisível, um dia chegas a casa e nem as paredes consegues tocar, é como se não estivesses, como se não fosses, estares ou não estares é indiferente porque não és, um dia chegas a casa e não reconheces os cheiros, e um dia não reconheces nada, os espelhos não reflectem nada que te seja familiar porque tudo se perdeu como se num incêndio que consumisse tudo o que não fosse matéria, tudo o que dá sentido à matéria, tudo o que faz da matéria algo nosso, e um dia chegas a casa e é como se não tivesses corpo, entras num chat e trocas meia dúzia de palavras sem sentido com alguém que não conheces, alguém que supões não conhecer, brincas com as palavras, fazes das palavras uma cama onde se deitam corpos que não existem, desejos que não se satisfazem, chegas a casa e é como se não chegasses porque a casa desapareceu, saltou para dentro do computador e é lá que toda a vida se manifesta, lá e nos becos onde sombriamente respiras as últimas partículas de oxigénio que a vida te reserva, porque um dia chegas e não sabes, o teu corpo foi dado como desaparecido e ninguém o procura, ninguém o reclama, ninguém.
Henrique Fialho
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