Há muito que ando pelo mundo a dizer que o amor dos estúpidos é coisa que pouco vale.
As reações dividem-se entre as prontas acusações de snobismo intelectual (acompanhadas da garantia veemente que este é o pior tipo de snobismo possível, não vá eu interpretar o epíteto de forma eufemistica) e os complacentes encolheres de ombros seguidos de um aceno de cabeça que é a linguagem gestual apropriada para exprimir a profunda falta de esperança em alguém.
Traumatizada pela constante discordância com aquilo que ninguém me tira da cabeça que é uma conclusão óbvia, fiquei muito feliz quando li Ortega y Gasset, nos Estudos sobre o Amor, dizer mais ou menos a mesma coisa, de forma socialmente mais aceitável.
Mas é António Damásio, em O Sentimento de Si, que do alto da autoridade que a ciência lhe confere, me iliba das acusações indevidas de que tenho sido vítima.
"A consciência é a função biológica que nos permite conhecer a tristeza ou a alegria, sentir a dor ou o prazer, sentir a vergonha ou o orgulho, chorar a morte ou o amor que se perdeu. Tanto a tragédia como o desejo são iluminados pela consciência. Sem ela, nenhum desses estados pessoais poderia ser conhecido por nenhum de nós. Não culpem a Eva pelo facto de conhecer, culpem a consciência mas agradeçam-lhe também."
Depois explica que para além da consciência nuclear, que não é exclusivamente humana, existe a conciência alargada que "coloca essa pessoa num determinado ponto da sua história individual, amplamente informada acerca do passado que já viveu é do futuro que antecipa, e agudamente alerta para o mundo que a rodeia".
Ora, sabendo-se que a consciência não é se não uma forma de inteligência e que as emoções não são separáveis da consciência, não será forçoso concluir que os sentimentos dos, er... menos capazes de um nível profundo de consciência, não valem.... er... não têm intensidade relevante?
Não. De todo, não.
ResponderEliminarO que é que tu, não sendo estúpida, sabes sobre o Amor? Sobre o Valor? Sobre os Estúpidos? Sobre o Valor do Amor dos Estúpidos?
ResponderEliminarCalma, Lady Kina, não mate o mensageiro :)
EliminarEu também gostava que assim não fosse!
Visto na perspectiva inversa, o amor de, digamos, Boris Spassky (para fugir aos clichés dos matemáticos vencedores de medalhas Field) terá certamente uma intensidade inusitada face ao dos mortais com níveis de consciência... dentro dos padrões populacionais considerados comuns.
ResponderEliminar(Claro que, o que diz acima foi enunciado há uns milhares de anos por Sidarta Gautama, numa perspectiva ligeiramente diferente, mas ainda assim, com a mesma base).
Sidharta terá intuído o que a neurociência agora confirma :))
EliminarNão estou certa de que Spassky, para estes efeitos, não seja estúpido...
EliminarTerão de certa forma os estúpidos um amor maior, mais puro e inocente que os outros, os portadores de toda a sabedoria e consciência....
ResponderEliminarPorque haveriam de ser mais inocentes e puras as pessoas com um q.i. Inferior ao médio? A falta de inteligência está longe de ser um passaporte para a santidade. (Pelo contrário, até, já que há uma correlação inversa entre o q.i. e a prática de crimes, por exemplo)
EliminarConcordo e pleno Cuca, mas acima de tudo, nessa coisa dos crimes, o que distingue uns dos outros é o tipo de crimes cometidos e a capacidade dos de q.i. mais elevado os ocultarem e conseguirem safar-se deles
EliminarO afecto do meu gato satisfaz-me mesmo quando mordisca.
ResponderEliminarO afecto dos meus Avós, naqueles breves períodos em que a lucidez rasgava as trevas eram o único alento para continuar, ver com ternura o pequeno conforto que lhes podia proporcionar. Não esqueça que não é no discurso de génios que vai encontrar a felicidade. Dissecamos o electromagnetismo e então? A alvorada deixou de ser tão bela por isso?
Não há como um texto mal escrito para tornar ainda mais obtusa uma ideia já de si difícil de vender.
EliminarReferia- me ao amor romântico que é o único que não dispensa uma compreensão multidimensional do outro. Aqui, o sangue e os Patudos ficam de fora.
Tal como fui oportunamente advertida, não definir o "estúpido" também não ajuda.