hum... e com bostik?
@ medusa: nem o cupido usa martelo e prego [a psique explica estas coisas melhor do que eu]. aliás, o único efeito associado à estaca no coração é a morte do vampiro.@ cuca: bostik?! efeitos da existência em são jorge da murrunhanha?
@ noodles: pois não. usa mel e flores. e palavras. que grudam demais.
Noodles, temo que sim. A ruralidade está a entranhar-se.
@medusa: essa do "grudam demais" parece-me em defesa do bostik. já o mel e flores merece o final deste comentário.@cuca: em roma sê rural.@medusa:As flores que devoram melAs flores que devoram melficam negras em frente dos espelhos.Os animais que devoram estrelas em frente dos espelhosficam brancos por detrás dos pêlosou das plumas da idade.As pedras por onde circula a águaficam vivas de tanto cantar e, quando se voltam,atingem a sua maior velocidade interior.Se vêm às portas ver quem bate,os lençóis cobrem-se de respiradoras —quando regressam ao sono, deixam as mãos abertas.Se é uma estátua que bate,corre-lhe o sangue pela boca, e sobre os ombrostorcem-se os cabelos,e as asas tremem em frente da porta.Se é um retrato,sorri sufocado pela noite adiante.Os espelhos são negros como os jacintosda loucura.Os crimes que olham para o espelho têm uma vibraçãosilenciosa.Se é uma criança, diz:eu cá sou cor-de-laranja.Porém às vezes é bom ser branco,é bom estar deitado.O mel faz bem às pedras,atrai os olhos dos anjos.Quem aplaina tábuasacumula uma obscura sabedoria.Olha para os espelhos,tens um talento assimétrico de assassino.Vê-se nos teus ramos frutos negroscontra a paisagem móvel.Se fosses um peixe,a porta estaria nas águas mais íntimas, frias, límpidase caladas.E não batias — cantavas a tua síncopeterrível.Nada se veria na vertente do espelho.Serias como uma máquina cor de calrespirando.Por isso te ofereço este ramo de lâminase um fato de perfil — e andas nos labirintos.Por isso te sento numa cadeira de ar.Por isso somos os dois um quadrúpede de sedade uma beleza truculenta.Temos toda a vigília para encher de silêncios.Pensamos os dois o mesmo corpo inaugurado.As flores que devoram mel tornam negrosos espelhos.As colinas vão olhando, e tremem na nossa carneas estampas de ouroextenuante.Por isso, por isso, por isso —somos assimobscuros.HELDER, Herberto / Apresentação do rosto. Lisboa: Ulisseia, 1968. 217 p.bonito, não é?
bonito, sim. muito.no fim de semana passado fui encher-me de livros. toquei no H. Helder mas não o trouxe. com pena. obrigada por mo trazer.
hum... e com bostik?
ResponderEliminar@ medusa: nem o cupido usa martelo e prego [a psique explica estas coisas melhor do que eu]. aliás, o único efeito associado à estaca no coração é a morte do vampiro.
ResponderEliminar@ cuca: bostik?! efeitos da existência em são jorge da murrunhanha?
@ noodles: pois não. usa mel e flores. e palavras. que grudam demais.
ResponderEliminarNoodles, temo que sim. A ruralidade está a entranhar-se.
ResponderEliminar@medusa: essa do "grudam demais" parece-me em defesa do bostik. já o mel e flores merece o final deste comentário.
ResponderEliminar@cuca: em roma sê rural.
@medusa:
As flores que devoram mel
As flores que devoram mel
ficam negras em frente dos espelhos.
Os animais que devoram estrelas em frente dos espelhos
ficam brancos por detrás dos pêlos
ou das plumas da idade.
As pedras por onde circula a água
ficam vivas de tanto cantar e, quando se voltam,
atingem a sua maior velocidade interior.
Se vêm às portas ver quem bate,
os lençóis cobrem-se de respiradoras —
quando regressam ao sono, deixam as mãos abertas.
Se é uma estátua que bate,
corre-lhe o sangue pela boca, e sobre os ombros
torcem-se os cabelos,
e as asas tremem em frente da porta.
Se é um retrato,
sorri sufocado pela noite adiante.
Os espelhos são negros como os jacintos
da loucura.
Os crimes que olham para o espelho têm uma vibração
silenciosa.
Se é uma criança, diz:
eu cá sou cor-de-laranja.
Porém às vezes é bom ser branco,
é bom estar deitado.
O mel faz bem às pedras,
atrai os olhos dos anjos.
Quem aplaina tábuas
acumula uma obscura sabedoria.
Olha para os espelhos,
tens um talento assimétrico de assassino.
Vê-se nos teus ramos frutos negros
contra a paisagem móvel.
Se fosses um peixe,
a porta estaria nas águas mais íntimas, frias, límpidas
e caladas.
E não batias — cantavas a tua síncope
terrível.
Nada se veria na vertente do espelho.
Serias como uma máquina cor de cal
respirando.
Por isso te ofereço este ramo de lâminas
e um fato de perfil — e andas nos labirintos.
Por isso te sento numa cadeira de ar.
Por isso somos os dois um quadrúpede de seda
de uma beleza truculenta.
Temos toda a vigília para encher de silêncios.
Pensamos os dois o mesmo corpo inaugurado.
As flores que devoram mel tornam negros
os espelhos.
As colinas vão olhando, e tremem na nossa carne
as estampas de ouro
extenuante.
Por isso, por isso, por isso —
somos assim
obscuros.
HELDER, Herberto / Apresentação do rosto. Lisboa: Ulisseia, 1968. 217 p.
bonito, não é?
bonito, sim. muito.
ResponderEliminarno fim de semana passado fui encher-me de livros. toquei no H. Helder mas não o trouxe. com pena. obrigada por mo trazer.