Cada memória apaixonada tem suas madalenas e a minha -saiba disso, onde quer que você estiver- é o perfume do tabaco claro que me devolve à tua noite espigada, à lufada da tua pele mais profunda. Não o tabaco que se aspira, a fumaça que reveste as gargantas, e sim aquela vaga equívoca fragrância que o cachimbo deixa nos dedos e que em algum momento, em algum gesto despercebido, sobe com seu látego de delícias para encabritar a lembrança que tenho de ti, a sombra das tuas costas contra o branco velame dos lençóis. Não me olhes aí da tua ausência com essa gravidade um tanto infantil que fazia do teu rosto uma máscara de jovem faraó núbio. Acho que sempre ficou bem entendido que nós só daríamos um ao outro o prazer e as festas leves do álcool e das ruas vazias da meia-noite. De ti não tenho mais do que isso, mas na lembrança me voltas nua e derramada, nosso planeta mais preciso foi a cama em que lentas, imperiosas geografias iam nascendo das nossas viagens, de tantos desembarques amáveis ou resistidos, de comitivas com cestas de frutas ou flecheiros à espreita, e ganhamos cada poço, cada rio, cada colina e cada planície em noites extenuantes, em meio a obscuros parlatórios de aliados ou inimigos. Oh, viajante de ti mesma, máquina de esquecimento! E então passo a mão pela cara num gesto distraído e o perfume do tabaco em meus dedos te traz para me arrancar outra vez desse presente costumeiro, te projeta antílope na tela desse leito onde vivemos os intermináveis caminhos de um efêmero encontro...
CORTÁZAR, Julio ::: Último Round*1969
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