sábado, 2 de abril de 2016

O facto não é horrível

Trezentas e sessenta e cinco tardes, voltei-me para poente e vi o sol morrer no mar. Não esperei por outra coisa se não pelo ocaso. Há uma alegria insólita na verificação empírica do cumprimento das promessas astrais. Em cada um dos dias, o sol nasceu na montanha para mais tarde se afundar no mar. Entre um e outro instante esvairam-se no fio da inutilidade os anseios dos homens. Na trigésima sexagésima sexta tarde, julguei ter compreendido a sabedoria das pedras; dos livros antigos; dos animais e do vento.
"Não espero nada. O facto não é horrível. Desde que o resolvi, ganhei tranquilidade."
A citação é retirada de A Invenção de Morel, Adolfo Bioy Casares 

17 comentários:

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    1. Alguém que eu nunca sei de cor quem foi, escreveu que a esperança é a trela da submissão. A mim parece-me que pode bem ter razão.

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  2. Cuca Pirata, escritora das estrelas, gosto tanto de te ler!

    agora toma atenção ao que te digo, a frase que roubaste a Casares [o livro é soberbo] é perfeita, quase a tuatuaria no ombro esquerdo, não fosse a continuação... Mas essa mulher deu-me uma esperança. Tenho que temer as esperanças.

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    1. Não na anca:
      Tinhas alguma coisa que ir lá ver ao livro?
      Nós, na pirataria mais terrível, roubamos as frases aos poetas e aos escritores e depois deitamos o fogo ao contexto e deixamos aquilo lá à arder...
      (Estou a ler o livro. É um dos melhores que já li)

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  3. E para que não se pense que de ontem para hoje aprendi os números ordinais, aviso já que foi a Linda Porca que fez o favor de me avisar que estava ali uma septuagésima tarde sem grande sentido.

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    1. Ora, Cuca... que pirataria essa tua. Então eu faço a coisa de forma discreta, e tu vens para a praça pública com um mea culpa?
      A culpa é dos astros, isso sim.
      :)

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    2. (a culpa é do rum, mas nós, gente amiga da bandidagem, não estamos cá para a acusar, não é linda Linda?)

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    3. (ou tudo junto, rum e gente que se mete com os astros, provoca big bangs semânticos deste estilo, flor Flor) :)

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    4. Big bang semântico é um conceito tão bonito que, mais dia menos dia, acabarei por o roubar.
      :)
      Lindas Linda Flor.

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    5. Tens mesmo alma de pirata, Cuca. Não precisas de roubá-lo: ofereço-to :)

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  4. Venho aqui agradecer estes posts, todos. A promessa do dia do aniversário está a ser cumprida. Fiquei sem palavras, vou-me dedicar à pintura. De ocasos. :)

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    1. Traz-no lá o desenho do poente de hoje.
      Hey oh, Teresa.

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    2. "-Viajas para reviver o teu passado?- era agora a pergunta do Kan, que também podia ser formulada assim: - Viajas para achar o teu futuro?
      E a resposta de Marco:- O algures é um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu, descobrindo o muito que não teve nem terá."
      Italo Calvino/ As cidades Invisíveis

      Capitã:
      O primeiro desenho não ficou lá muito bem(estou destreinada); depois fiz esta pintura à vista, mas ainda tenho que lhe dar uns retoques.
      Hey oh, Pirata, sugiro que a ponha no seu gabinete, com uma moldura a ouro fino, século XVIII, lá daquelas que guarda no porão para as coisas bonitas.

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    3. Bonito, bonito é ser notificada deste comentário enquanto estou a lutar por um texto de génese rapinada a esse mesmo livro. Fico tão contente quando estas coisas acontecem. :)))

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  5. Tenho justificadas dúvidas metodológicas sobre a verificação empírica lá disso das promessas astrais. Os astros nunca são prometedores: são apenas previsivelmente rotineiros, como Galileu, esse irredutível teimoso, já havia notado e proclamado há uma porção de séculos.

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    1. Fui à procura de uma citação de Galileu para lhe responder e encontrei esta que me parece bastante satisfatória: "Digamos que existem dois tipos de mentes poéticas: uma apta a inventar fábulas e outra disposta a acreditar nelas". Temos assim que o Xilre será mais da primeira espécie.

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