sexta-feira, 29 de abril de 2016

Contos do Lago Tanganica - a vitória

Num início de tarde de domingo, numa medina marroquina, achámo-nos em frente de uma porta prateada com tachas da mais fina porcelana do azul dos olhos berberes. Tagik, o berbere, convidou-nos a entrar e cobrou-nos cinco euros por duas estórias. Juntamente com a túnica branca, despi o pó das ruas e sentei-me descalça na fresca penumbra, a fumar o cachimbo de água que me estendeu, concentrada no tom hipnótico da voz profunda que em francês me jurava, "reza a lenda que, num lago rodeado por um jardim de laranjeiras, mas Alá sabe mais..."
Cinco euros por duas estórias é modesto preço para quem as coleciona ao ponto de, em tempos, delas ter dependido para adormecer e de, agora, as pedir a desconhecidos. Mas quando Tagik, o berbere, me ofereceu uma terceira estória, pedi-lhe que a guardasse para a contar a um desconhecido que a não pudesse pagar. Então Tagik perguntou-me se estaria interessada em comprar-lhe um espelho mágico que, reza a lenda, mas Alá sabe mais, faria parte de nada menos que do espólio da madrasta da branca de neve. O insuspeito espelho viajou muitos quilómetros e acabou de costas voltadas para o mundo - que é a forma como penduram os espelhos os titulares de consciências duvidosas - na parede do meu quarto.
Pôs ontem fim à sua milenar mudez. Atormentada pela incerteza dos caminhos de uma guerra fratricida, rodeada de inocentes reféns e desapossada de um certificado oficial de preferida do sanção de Tanganica, enfrentei o espelho e fiz-lhe a pergunta terrível.
O espelho, que não conhece a mentira, disse-me que sou a preferida da Palmier Encoberto. 
Foi assim que, ganha a guerra, voluntariamente decidi libertar os reféns.
Contar-vos-ão outras estórias. Em cada um dos habitantes do Lago vive Tagik, o berbere. É essa a sua magia.
Porém, só o espelho não conhece a mentira. 
E, diz-se, Alá sabe ainda mais.





7 comentários:

  1. Respostas
    1. O Tagik, o berbere, que há em mim é que agradece por cada uma uma das estórias que me compra. Não há nada mais triste do que um contador de estórias sem clientes.

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    2. (Aliás, agradece ao Tagik que há em si)

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  2. Esta história tão bem contada coloca-a numa posição preferencial para aquela situação...

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  3. E fomos felizes para sempre...

    (Não fosse, claro, este comentário aqui em cima que eu evidentemente não li...)

    <3<3<3

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    1. Para sempre ou até que nos cansemos da paz. O que vier primeiro! :)))

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