Caríssimo Xilre

A minha primeira palavra é de protesto. Orchidée não é tão magra, tão alta, nova e loura como falsamente nos levou a crer. 

A segunda é de indignação. Jamais poderia caber na minha modesta capacidade de imaginação a intensidade vocal manifestada nos uivos que, nascidos nos mui confortáveis aposentos improvisados nos calabouços deste navio, se espalham por todo o lado, gávea incluída, e que desde o início da tarde ameaçam os delicados nervos desta tripulação Pirata. 

O amigo já deve ter reparado na contenção - a que não será indiferente uma antiga fobia por aquilo do Tribunal Europeu  dos Direitos do Homem (não confundir com inata misericórdia, que seria inaceitável entre pessoas da nossa profissão) - com que costumo tratar as minhas vítimas.

Pois, no caso da sua Orchidée (sua, pois, que antes de a instalar nos calabouços apreendi-lhe o telemóvel e tive ocasião de me inteirar do teor das mensagens trocadas entre si e a pretensa vestal do inocente Andrada, mas não vamos falar nisso agora, que fica para outra crise de dissidência), não posso garantir tão civilizado tratamento. 

Não é por mim, a quem anos de meditação budista treinaram para a relativa indiferença aos incómodos físicos. O problema são os outros que, menos familiarizados com o sofrimento e indiferentes aos humores do tal do tribunal europeu dos direitos do homem, ameaçam assassinar a sua Orchidée se não me livrar dela antes da hora de dormir.

Constato que o nosso amável bilhete teve o condão de o fazer repensar a decisão de dissidência e congratulo-o por, uma vez mais, ter feito imperar a sua já famosa sensatez. 

A minha questão, neste momento, é de ordem mais prosaica: 

Agora que já não se vai embora, a quem é que nós devolvemos aquela harpia histérica que acomodámos lá em baixo?