Carta aberta ao Ruben Patrick

Ruben Patrick, rapaz do Tio, nem te pergunto como vais. Bem sei que a vida entre a Amadora e a Reboleira, onde quis o teu criador que te movesses, pode ser mais dura que a profunda selva da Amazónia. Além do mais, temo que não percebas o tom retórico e me inflijas os relatos das tuas preocupações comezinhas, tão afastadas dos grandes dramas da humanidade, que seria incapaz de compreendê-las.

Se assumo o extremo risco de encetar qualquer tipo de diálogo contigo - repara que nunca te comentei os posts - é porque a situação assume foros de estado de emergência.

Setenta anos de blogs, para mais sob o jugo do snob chic, só sabe quem la esteve, não são fáceis de carregar. É inevitável que chegue a manhã em que as artroses que se formam nos dedos, a gota em resultado do excesso de marisco e caça, as horas acumuladas de jet lag, nos retirem a vontade, até aí   incólume, de esfregarmos na feio do rosto da humanidade o facto de sermos tão melhores do que ela. 

Bem sei que entre as crises de ciúmes da Cátia Vanessa e as horas que passas nas filas do centro de emprego onde consegues mais um subsídio, esquecendo-te de declarar às finanças os biscates que fazes como mecânico, não tens muito tempo disponível. 

No entanto, o campo não fica assim tão longe da Reboleira e ouvi dizer que agora até há uma coisa a que o povo chama autocarro, que é um mercedes com motorista que leva muita gente e distribui as pessoas por várias paragens, em troca de uns poucos euros. 

O Tio, que tanto te ensinou, o Tio a quem deves o que sabes sobre os vinhos de que nunca conseguiste aprender a gostar, o Tio, cujos conselhos te permitem fazer a inveja das amigas da Cátia Vanessa (inveja essa que é a força motriz da vossa relação), o mesmo Tio que do teu banquinho tantas vezes observaste sentado na sua poltrona a fumar cohibas, precisa de ti. Ou melhor, quem precisa de ti é a humanidade de feio rosto.

É a altura de retribuíres, Ruben Patrick. Deverás aceitar com responsabilidade e coragem a tua missão e sem demora arrancares do colo do Tio Pipoco a mantinha hermès com que entendeu por bem cobrir-se; explicar-lhe que não, que ainda não é hora daquilo da algália, mesmo que seja da Bang & Olufsen; convencê-lo que a razão pela qual deixou de conseguir ler ao perto é porque as letras, todas as letras, encolheram e que o precário equilíbrio do mundo depende de uma linha editorial levemente arrogante e desprezava, intercalada por um ou outro instante de benevolência. 

Agora vai e traz-me novas. E na volta do correio, poupa-me a abreviaturas e k e palavras acabadas em t, a menos que decidas responder-me na língua de Tolstoi ou Voltaire.