sábado, 17 de janeiro de 2015

Foi assim, não foi assim


Encontrei um verso de pontas arredondadas e foi através dele que desci até ao wonderland. São infinitas as possibilidades da poesia.
Depois de o coelho apressado ter repetido o número de fazer de conta que não me reconheceu, procurei a lagarta e sem surpresa fui dar com ela deitada no cimo da folha do costume. Levou o cachimbo à boca e deu uma primeira baforada num profundo silêncio enquanto me fixou com ar mais alienado do que o habitual.
- ainda és Alice?
Tirei do bolso do vestido uma chávena em miniatura, com relevos de flor-do-lis e estendi-lha daquela maneira como se entrega o cartão do cidadão ao polícia que nos vai multar.
A lagarta segurou a chávena com uma pata durante três segundos e depois devolveu-ma sem sequer a olhar.
- chá é na secção V do wonderland. Se pedires com jeito talvez o coelho te convide. 
- não vim tomar chá! Vim à procura de respostas.
- estão esgotadas, pequena. Só posso vender-te perguntas. Vai dar no mesmo. Devias aceitar enquanto ainda há.
Percebi que aquilo ia demorar e sentei-me no chão. Por cima de mim havia um arco-íris gigante e fluorescente e vi passar um bando de pássaros de óculos de sol. Uma nuvem cor-de-rosa pastilha elástica demorou-se um pouco mais do que as outras. 
- porque é que o chapeiro louco se esqueceu de mim?
Materializou-se na direção da nuvem atrasada o sorriso sarcástico do gato-que-ri. 
Ouviu-se um coro de gargalhadas na floresta, mas a lagarta continuou afivelada a uma expressão séria e pensativa.
A cauda do gato-que-ri surgiu do nada e agora todo ele era apenas uma cabeça e uma cauda.
- alfa e omega. Disse a lagarta, como se estivesse triste.
Ao fundo ouviram-se os passos apressados do exército de cartas que caminhava na nossa direção.
Os olhos do gato passaram do verde ao azul e neles cuidei ver o reflexo da baía que me persegue nos sonhos.
- vende-me então a pergunta de que necessito. Disse eu à lagarta em tom de desafio.
- Pode um homem lembrar-se de alguma coisa depois de lhe terem mandado cortar a cabeça?Perguntou a lagarta, aborrecida.
Nessa altura, chegou o exército e aproximou-se um capitão que, assim o quis o acaso, era o às de espadas. Incrédula, vi-o fazer uma vénia na minha direção.
- Majestade: aqui tendes a cabeça do chapeleiro louco. Foi feita a vossa vontade.
O gato que riu desapareceu no extremo sul do arco-íris.
- percebes agora porque é que ele te esqueceu? 

Perguntou a lagarta, antes de me apresentar a conta das duas perguntas que comprei.


2 comentários:

  1. E pediste que a fatura tivesse o número de contribuinte? Atenção aos impostos. (Será que no País das Maravilhas pagam impostos?)

    Bom fim de semana, Cuca! :)

    ResponderEliminar