quarta-feira, 5 de maio de 2010

Lisboa, Setembro 1997


Chegada a Lisboa para o "Agora é que a vida começa a sério" instalei-me alí para os lados do Gemini.
Primeiro, no sítio onde algumas coisas desta santa vida se iniciaram, não me recordo se no 2º, se no 3º piso - sei que era o último - de um prédio com a idade da minha avó. Sei que o estudio era branco, e a casa de banho azul. E que a dividia com a Cuca.
Logo a seguir, no piso inferior do mesmo prédio.
Atentas as concretas memórias que me ficaram daquele local, justificava-se que recordasse o nome da Rua e o número da porta. Se alguém a disser reconheço-a certamente.
O prédio pertencia aos senhorios que viviam no andar de baixo. O Sr. Afonso e a D.....(?).
Sempre simpáticos, prestáveis e solitários senhorios. Sempre demasiado preocupados com "as Meninas Doutoras".
Lembro-me que, cada vez que lhes iamos pagar a renda (em dinheiro contado visto que desconfiavam dos bancos), nos contavam chorosamente a nebulosa história do filho que apareceu morto dentro de um carro a que alguém ateou fogo. Mais ou menos pouco tempo depois de eu ter nascido.
Daquilo que a cada vez iam revelando fiquei convencida que o tipo devia ser uma boa bisca, que era contrarevolucionário, que pertencia a alguma milicia secreta ou grupo armado terrorista.

Daquele inicio de vida, naquele simpático e vetusto prédio a mais arrepiante memória que tenho é a das cores com que fui obrigada a conviver durante cerca de ano e meio.
Uma vida que tem por cenário quatro paredes roxas às flores brancas, não se apresenta muito promissora, não obstante florida. E eu estava a começar a minha. Aquela que ia ser a sério.
Mas pior era o pesadelo do quarto ao lado: fundo rosa velho (do forte) e ramagens verde garrafa!
Corredor azul escuro, cozinha e wc indescritíveis (a memória não reteve qualquer informação acerca daquela preciosidade).
Ah! e a porta misteriosamente trancada que dava acesso a uma divisão cheia de tralha até ao tecto. Desconfio que o seu conteúdo justificava a parte da história que o Sr. Afonso e a esposa omitiam no seu relato mensal.

Não se pense, porém, que dali resultaram vidas de caos, tragédia e horror.
A este cenário policromático respondemos com cera com cheiro de mel de abelhas e poesia declamada com o maior ardor. E com musica, muita musica da boa.

4 comentários:

  1. A rua era a Roque Gameiro.
    A velhota acho que era a Dona Ana, mas não garanto.
    Foram os dias vodka redbull em que aconteceu tudo o que era importante acontecer. Certo é que dificilmente voltaremos a ter uma casa tão mítica como aquela.

    ResponderEliminar
  2. Foi também quando constatámos a utopia que é uma vida normal.

    ResponderEliminar
  3. Uma morada Almodôvar. Sortudas!
    Muito se faz em termos de diversão com parcos recursos.

    ResponderEliminar
  4. Completamente Almovar, agora que falas nisso.

    ResponderEliminar