terça-feira, 11 de maio de 2010

Das despedidas

Não gosto de despedidas. O ar lamechas fica-me mal. Por alguma razão estranha, as palavras da praxe, por mais verdadeiras que sejam, quando ditas por mim soam aos diálogos dos filmes portugueses dos anos oitenta. A minha hesitação em tocar nas pessoas acaba sempre em abraços desajeitados, iniciados pelos outros, durante os quais eu me concentro numa forma digna de lhes pôr um termo.
O facto de ter um choro difícil e uma despropositada ironia não ajuda.
Para mim, as despedidas são uma catástrofe relacional. Tanto as pequenas como as grandes.
Nas festas, há muito que me habituei a despedir-me apenas dos anfitriões, esperando os raros momentos em que estão sozinhos.
Na vida, prefiro afastamentos civilizados a despedidas efusivas.
Hoje saí de casa com a missão secreta de me despedir de algumas das mais de cinquenta pessoas que habitam o meu local de trabalho.
Não saber praticamente nada sobre a vida desses que me rodearam, aliado à circunstancial inexistência de nostalgia, privilégio de quem acredita partir para melhor, faziam adivinhar uma despedida fácil.
Três frases formais e um aceno profissional.
Hoje passei o dia a adiar o instante em que sairia do meu gabinete para cumprir a missão secreta de me despedir de algumas das mais de cinquenta pessoas que habitam o meu local de trabalho.
Adiei-o tanto que chegou a hora em que todos os outros abandonaram o edifício e partiram para as tais vidas pessoais que eu desconheço completamente.
E quando o edifício ficou estranhamente vazio, e pela primeira vez meu, passeei-me pelos corredores com uma daquelas caixas que se usam nos momentos das despedidas profissionais, nos filmes americanos, perguntando-me se amanhã alguém vai notar a minha ausência.
O alívio da impossibilidade do cumprimento da minha missão secreta, fez-me baixar a guarda e por um momento, a sós, consegui dizer um adeus condigno a uma fase da minha vida.
Ou assim achava eu, até chegar ao parque de estacionamento e encontrar a única pessoa de quem não me queria despedir.
Faltaram as três frases formais, o aceno profissional e até a ironia e o abraço desajeitado.
Ficámos ali um a olhar para o outro. E eu, pela primeira vez na vida, a lamentar ser tão má nas despedidas. Não saber dizer as coisas certas no tom credível, não conseguir tomar a iniciativa de abraçar as pessoas. Ser de choro difícil.
E depois, entrar no carro com um nó na garganta.

4 comentários:

  1. Deste-me um abraço inestimável, que nunca vou esquecer.
    E muitas vezes ajudas a afrouxar o nó que trago na garganta.

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  2. É como diz a música música brasileira: "aquele abraço".

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  3. caríssima cuca:

    há uma coisa de que está em absoluto proibida de se despedir, seja de que maneira for: a de escrever textos neste blog... então até amanhã!!

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  4. Fritz: ela não deixará de cucar.

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