terça-feira, 13 de setembro de 2016

*E a alma dirigiu-se para o corpo que a feriu de amor*

Methinks I have a mistress yet to come,
And still I seek, I love, I know not whom.

Isto é verdade, sem dúvida, em relação ao amor casto e não natural, mas não em relação à paixão heróica, que é verdadeiramente luxúria ardente e animal, e da qual estamos a tratar. Falamos de olhos delirantes, lascivos, adúlteros, que, segundo diz o autor, "estão sempre à espreita como soldados e, quando notam que um inocente espectador se fixou neles, trespassaram-no com as suas flechas e, nesse preciso instante, enfeitiçam-no. Isto acontece, sobretudo, quando fixam os olhares entre si, como amantes impúdicos que, com essa comprazida disputa de olhos, participam mutuamente das suas almas". Do que foi dito podereis aperceber-vos de como é fácil, e rápido, apaixonar-nos, pois basta uma piscadela de olho para que os espíritos de Fedro contaminem, de maneira tão perniciosa, o sangue de Liceas. "Isto também não é espanto nenhum se consideramos pormenorizadamente quantas doenças se apanham, furtiva e inesperamente, por infeção: peste, icterícia, sarna, cólicas, etc." Desde que os espíritos tenham penetrado, quem os recebeu nunca mais terá descanso, ficando sujeito à irritação causada por eles. Idque petit corpus mens unde est saucia amore*". E podemos aperceber-nos de uma estranha extração dos espíritos, como quando o nariz do morto sangra se o seu assassino estiver presente.

Robert Burton (1577-1640), in Anatomia da Melancolia, Quetzal 

Sem comentários:

Enviar um comentário