Antes de entrar na sala maquilho o meu melhor sorriso falso. Se quisesse poderia encontrá-los de olhos fechados. Têm um cheiro inconfundível. A comida e os modos também são peças de fruta de plástico. Chegar atrasada aumenta a probabilidade de conseguir um lugar ao canto. Não hoje. Um gerente inoportuno escolheu-nos duas mesas redondas. Como se tanta convivência fosse punição que se suporte. Somos um concílio de bonecos de cera. O chacal censura o meu atraso. Condena-me à mesa dos maiores com um gesto largo. Exibe-me uns dentes afiados. Cumprimenta-me como quem rosna. Mas o meu sorriso é inamovível. Tem garantia contra cãibras durante os primeiros 120 minutos. Coloco uma ampulheta imaginária sobre a mesa. É de cristal para condizer com a falta de opacidade dos fantasmas. Sete olhares ávidos procuram um corpo para devorar. Ganho tempo com uma falsa história sobre o meu atraso. A máquina da verdade emite uns sons denunciadores. Poderia falar-lhes da chuva e daí saltar para as ondas e depois para um bote amarelo e seguir até ao reino de Prestes João. Limito-me a despir o casaco. Clavículas anorécticas funcionam sempre bem como amuse-bouche. Constato sem surpresa que a melhor pessoa da mesa é a única que não sabe segurar os talheres. Mas neste grupo ninguém come antes do chacal. E esse está imobilizado no meu sorriso falso. Ouço a areia escorrer em som de fundo aos uivos dos famintos. Olho para o pulso nu e anuncio que acabou a hora da refeição. Despeço-me com um sorriso. Verdadeiro. Afinal, até o chacal é de plástico.
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