- Oh homenzinho – replicou a princesa – eu venho de muito longe e ficaria muito aborrecida se tivesse que voltar para casa sem ter dado execução ao meu intento. Vós falais-me das dificuldades e do perigo de perder a vida, mas não me dizeis quais são essas dificuldades e em que consiste esse perigo. É que eu desejava saber tudo isso para ver se posso ter confiança na minha resolução, na minha coragem e nas minhas forças, ou se não a devo ter.
Então o dervixe repetiu à princesa Parizade tudo aquilo que tinha dito aos príncipes Bahmane e Perviz.
(…)
Quando o dervixe acabou, a princesa replicou:
- Pelo que percebo da vossa fala, a grande dificuldade para ser bem sucedido neste caso é, primeiramente, a de
subir à gaiola sem ter medo da algazarra das vozes que se ouvem sem ver ninguém, e, em segundo lugar, a de
não olhar para trás. No que respeita a esta última condição, espero que serei suficientemente senhora de mim para a cumprir. Quanto à primeira, julgo que essas vozes, tal como mas descreveis, são capazes de apavorar os mais valentes; mas como em todos os empreendimentos de grande importância e perigosos, não é proibido usar de certa manha, peço-vos que me digais se, neste caso, me posso servir dela, o que é para mim de grande importância.
- E qual era essa manha que desejáveis usar? – perguntou o dervixe.
- Parece-me – respondeu a princesa – que
tapando os ouvidos com algodão em rama, por muito fortes e medonhas que possam ser essas vozes, elas seriam ouvidas com muito menos intensidade; como também me fariam menos impressão, eu estaria em melhores condições para
não perder o uso da razão.
(…)
A princesa Parizade, depois de ter agradecido ao dervixe e de se ter despedido dele, montou no cavalo, atirou a bola e seguiu-a pelo caminho de onde ela ia a rolar, até que por fim lá parou ao pé da montanha.
A princesa
desmontou;
tapou os ouvidos com algodão em rama; e, depois de ter
estudado bem o caminho que devia seguir para chegar ao cimo da montanha, começou a subir com um
passo muito certo e com grande intrepidez. Ouviu as vozes e apercebeu-se então de que o algodão lhe servia de muito. Quanto mais ela ia avançando mais as vozes se tornavam mais fortes e se multiplicavam, mas não a ponto de lhe causar uma impressão capaz de a perturbar. Ouviu vários insultos e uns gracejos picantes relacionados com o seu sexo, a que não ligou e de que até se riu.
“Não me ofendo nem com os vossos insultos, nem com a vossa chacota – disse ela para consigo – podeis dizer mesmo coisas piores, que eu não faço caso nenhum, e vós não me impedireis de seguir o meu caminho.”
Ela subiu até tão alto que por fim já via a gaiola e a ave, a qual, de combinação com as vozes, tratou de a intimidar, gritando-lhe com uma voz tonitroante, apesar da pequenez do seu corpo:
- Doida, afasta-te, não te aproximes!
A princesa, ainda mais animada com isso, sobrou as passadas. Quando se viu perto do final daquela caminhada, atingiu o cimo da montanha onde o terreno era plano; correu direita à gaiola, pôs-lhe a mão em cima e disse para a ave:
- Ave, já te apanhei, embora contra a tua vontade, e tu agora já não me escapas.
(...)
In “História das duas irmãs invejosas da mais nova”, As Mil e Uma Noites, Editorial Estampa, Volume 6.
Post Sriptum: Avisam-se os leitores, aliás ingratos e mudinhos leitores, que a autora deste post se deu ao trabalho de transcrever o texto. Por conseguinte, façam favor de o ler. Todo.