terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Anatomia de uma insónia


Quando apago as luzes a noite agride-me o sono. Os caixotes saltam do escritório e voam na direcção do quarto. Se o cartão não suportar o peso do conteúdo haverá restos de passado espalhados em meu redor. Levanto a cabeça no escuro para ter a certeza que o chão continua vazio. Encontro-me com molduras de risos verdadeiros. Sou atingida pela letra inclinada de uma carta escrita à pressa. Há um livro com um desenho de uma mulher nua feito a carvão na contra-capa. Uma flor de pano que vaticinou um destino que não se cumpriu. Não suporto o peso da existência que aprisionei dentro dos caixotes. Levanto-me no escuro. Caminho entre as sombras dos objectos de uma outra vida. Tropeço num açucareiro de porcelana. Ouço o som de um copo de cristal que se desfaz debaixo dos meus pés. Afasto-os a todos da minha mente. Fecho com força as janelas que separam o quarto do escritório. Corro os estores para ter a certeza que os caixotes não passam por entre as frinchas. Retorno à cama. Mas há minúsculos pedaços de cristal entre os lençóis. Um pé frio toca no outro. Experimento a almofada do lado. Como se o segredo do sono fosse a geografia dos objectos. Não acredito em vidros espalhados. Mas pelo sim, pelo não, mantenho as pernas encolhidas. Sou um minúsculo feixe de ossos. O único peso que sinto é o da massa que lateja dentro da minha cabeça. Sei que se mergulhar dentro dessa massa estou condenada à insónia eterna. Fujo dela na atenção ao exterior. Mas fora do peso dessa massa inerte não há nada. Nada para além de caixotes fechados.

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