sexta-feira, 2 de março de 2018

Diamond rings and chevrolets

Escorreguei uma vez mais pela toca do coelho. Foi difícil encontrá-la na cidade. Entre dois prédios, escondida no chão, disfarçada de conduta de esgoto. Aqui, as portas são todas iguais e umas levam à miséria e outras à maravilha. Só descobres depois de teres descido muitos metros, de costas, com os pés no ar e os cabelos em desalinho. 
Caí diretamente na sala grande. A minha pouco discreta chegada não interrompeu a festa. Havia uma harpa que se tocava a si própria. O coelho das pressas dançava um tango melancólico com a lagarta azul e nenhum dos dois olhou na minha direção. O gato que ri mostrou-me os dentes de cima e apontou-me a sombra escondida atrás do reposteiro. Vi-lhe a forma do chapéu alto e lamentei a ausência da matéria. Um dos gémeos gordos veio dizer-me que também no wonderland há sombras vazias. E o outro ecoou vazias vazias vazias até que a palavra ganhou a consistência do gelo e as letras subiram desordenadas e fizeram um looping junto ao lustre de cristal pingado.
Fingi não me importar com o acidente do chapeleiro louco. Perguntei ao vazio onde estava a rainha branca e o gato, rindo-se, disse-me que estava dentro da rainha de copas.
- Nunca saberei se sou Alice ou a rainha de copas e quando ouço o "corteeeem-lhe a cabeça", tanto pode ser uma ordem dada contra mim como por mim. 
Então, a lagarta libertou-se das patas do coelho das pressas e instalou-se no meu ombro com o seu cachimbo de ópio.
- Aqui ninguém quer saber quem és; Depois apontou a sombra do chapeleiro louco escondida por trás do reposteiro e disse com um gesto dramático: - A verdade enlouqueceu aquele..
A harpa chorou um novo tango e eu estendi os braços na direção do reposteiro vazio. Ergueu-se a sombra do chapeleiro e enlaçou-me numa dança que durou um tempo que o relógio do coelho apressado se esqueceu de medir.
Mas depois, ouviu-se aquela frase, terrível, cujo som nunca sei se vem de dentro ou de fora e que esvazia o ar e arrefece os dedos e deixa um rasto de dor na garganta.
- corteeeem-lhe a cabeça.

9 comentários:

  1. Acho que acertei no mood! LOL


    ;)))))

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  2. "come-me" assusta-me mais que "corteeeem-lhe a cabeça"

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    1. Com essa arrumaste-me, cigano:
      Não tenho termo de comparação. As pessoas não me dizem essas coisas! :))

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  3. ...E então Tagik fez questão e a Pirata aceitou a moeda. Depois escorregou pela toca do coelho. Agora, estou também aqui sentada no chão, de pernas cruzadas, a ouvir...:-)

    (E a Biografia da autora! Claro que só poderia ser qualquer coisa assim!)

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