terça-feira, 27 de março de 2018

A noite que nunca acaba

Dizem que correr liberta o espírito. Não há nada que não faça para me ver livre do meu. Depois do quinto quilómetro, o rio, que no início era uma língua de prata a encomiar o céu, transformou-se no fio de lama que o estrangula. As pernas revoltaram-se contra o processo de liberação do espírito e o próprio perdeu-se, fixado, insistente, na tormenta de um pensamento mau. O corpo dobrou-se ao peso. 
Foi então que, pela manhã, entraram os primeiros acordes da música. E o espírito regressou a casa e a boca, involuntariamente, abriu-se num sorriso que eu queria pintar em mim para sempre, e as pernas correram ligeiras por cima do rio que foi o mar que nos separa. 
Foi assim, bem o sei, que mil vezes me arrancaste das profundezas do Hades. Aqueronte nada pode contra a força da música que é como se fosse o meu nome nos teus lábios. Mil vezes morri e, imortal, mil vezes me trouxeste à tona da caverna que é o inferno dos que amaram. Mil vezes me esqueci e mil vezes me lembraste. Deste-me a história e deste-me a canção. E esta é a noite que nunca acaba. 



6 comentários:

  1. Sortuda!
    Eu é que estou sempre a morrer e a voltar à tona da vaerna e das augas: sozinha (in a way...)

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  2. *caverna (mas vaerna é tão petit que até tem a sua gracinha :)

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    1. És um ser mais completo! Consegues arrancar-te a ti própria do Hades.
      Eu preciso sempre que me vão lá buscar

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    2. o Hades não me assusta, o que me assusta é não temer o Hades :)

      __________
      p.s. - é não ter os meus 'marginais' d'esta margem :D

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  3. Nada tema. É uma mania nova e durará tão pouco como todas as outras.

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