sábado, 21 de janeiro de 2017

Diário de Bordo

A tripulação reuniu-se no convés para o motim anual e, por respeito à revolução, retirei-me para os meus aposentos. Trouxe comigo a bíblia, não por razões de fé, que é semente que não medra neste tipo de solo, mas por ter muitas páginas e não saber quanto tempo terei de ficar aqui enclausurada, fingindo ignorar um pequeno motim com vista à minha destituição. 
O exercício do poder faz-se de subtilezas e ignorar as transgressões é infinitamente menos trabalhoso e pelo menos tão inútil como puni-las. 
Uma vez por ano esta intrépida tripulação Pirata rebela-se contra mim. O pretexto é irrelevante. Tanto pode ser um assalto mal sucedido, como a fraca qualidade de um barril de rum, a desastrosa ementa de Andrhiminiir, o cozinheiro viking, ou mesmo o inexplicável e injustíssimo facto de já não conseguirem suportar os meus estudos de piano. Disse-me o papagaio Polly que, desta vez, foi o piano.
- noturnos, noturnos, noturnos. Grunhiu.
- bem, se é só isso diga-lhes que posso tocar apenas de dia.
- os de Chopin! Chopin! Chopin! 

O método tem poucas variantes: durante dois dias seguidos andam pelo navio a soltar imprecações contra a minha pessoa e a dizer alto frases como "isto tem de mudar"; "assim não pode ser", "ai se nós mandássemos" e por aí em diante. Ao terceiro dia abandonam as suas rotineiras atividade ociosas, anunciando que deixaram de trabalhar, munem-se de umas bandeirinhas negras que agitam nas minhas costas enquanto gritam, quando pensam que já os não ouço, "liberdade ou morte", "o povo unido jamais será vencido" e "há sol e há lua, capitã cuca para a rua". 
Por fim, há sempre um deles que tem a inovadora ideia de organizar um comício clandestino. Juntam-se num canto do convés e fazem uma coisa semelhante ao que julgo ser uma reunião dos alcoólicos anónimos (mas em que servem muito rum) levantando-se à vez e dizendo mal de mim. É bonito de se ver já que é a única ocasião em que se comportam de forma ordeira e entre todos reina a concórdia e a harmonia.
No final da reunião, depois de muitas palmas e grandoladas decidem destituir-me do poder. É nessa altura que é conveniente fazer a minha aparição. 
Não há revolução que resista à pergunta: 
"O que é que se está aqui a passar?"





6 comentários:

  1. qualquer semelhança entre sua majestade Capitã e o trump, é pura coincidência...

    ResponderEliminar
  2. :DDDDD

    por um mundo sem patrões, como vociferam os vermelhos.

    ResponderEliminar
  3. Num barco sei lei, todos são legisladores de coisa nenhuma.
    Até podem ter o topete de a pôr a ferros , mas nunca passará de um facto alternativo.
    Capitã Cooka forever !!

    ResponderEliminar