segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Pactos

No mercado das almas não encontro diabo que ofereça preço pela minha. Vale pouco, bem sei. É uma alma negligenciada pela sua proprietária. Trato todos os meus bens, sem distinção, de acordo com o princípio de que a sua existência se justifica pelo serviço que me prestam. Poderia ter investido na minha alma; mandá-la estudar espiritualidade para um colégio privado na Europa desenvolvida ou, pelo menos, financiar-lhe uma pós graduação em teoria da teologia. Ao invés, à falta de qualquer préstimo imediato, deixei-a por sua conta e risco na divisão menos frequentada da casa. Cresceu desregrada e voluntariosa, esquiva às visitas, desobediente, despenteada e deseducada. Arrastei-a a custo por todas as casas onde vivi. Por vezes, chegou depois de mim, demorando-se onde não a quis deixar. Suponho que em tempos haja sido uma alma de bom trato, mas não posso jurá-lo pois essa memória não me foi concedida. 
A minha alma estorva-me tanto como os caixotes cheios de tralha inútil que carrego atrás de mim pela vida fora. 
A solução evidente é desfazer-me dela prescindindo do lucro e preservando-me do prejuízo. 
Enganar um diabo que a faça sua. Estabelecer um pacto sem cláusula de reversão. 
Em suma, ver-me livre dela. 

17 comentários:

  1. Eis uma oportunidade de negócio: uma SoulBay, onde vendedores e compradores de almas possam mercar, leiloar, arrematar as almas que cada um tem no empoeirado sotão pessoal. Diabo ou penitente, anjo ou renitente, cada um deve ter direito a comprar ou vender a alma pelo melhor preço do mercado. Aceita-se pagamento em PayPal ou Bitcoin.

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    1. O preço de mercado não me satisfaz. Para me livrar da minha terei de burlar alguém. Mas consta que os negócios online são bons para isso da burla.

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  2. desescreve mas é tudo o que escreveste...cruzes...
    rápido...

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    1. O chifrudo tinhoso ainda não apareceu. É muito difícil isto de vender a alma ao diabo.

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  3. fico-te com ela em troca de uma lâmpada led esférica com génia lá dentro... que me dizes?

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    1. eu é que te dava a lâmpada... tu nã me baralhes os negócios...

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    2. Ahahaha
      Está bem. Aceito na mesma. Além de estar desesperada para me ver livre da alma, uma génia dentro de uma lâmpada combina com a decoração da sala.

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  4. Capitã Cuca, não será melhor manter isso desse lado. Afinal são uns míseros 21 gramas. Arrumam-se em qualquer canto.

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    1. Oh, mas a indisciplina... O que faço com uma alma tão indisciplinada?

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    2. "porrada e mal viver", a ver se ela não amocha.

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  5. A minha alma doi-me. Conhece algum remédio ?
    Talvez um antirreumático.?....

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    1. Ralmagel??
      :)
      Que se passa? A Maman não me diga que foi aquela endiabrada da Palmier que a aborreceu...

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  6. raios e coriscos, esse texto aplica-se na íntegra ao pequeno patife que é o meu / d'Ela mais jovem gato.

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    1. No fundo, no fundo, todas as almas são gatinhos ávidos pela sua taça de leite.

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