segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Da ordem das coisas

Entre as três e as cinco da manhã partilhamos o exíguo espaço de um pesadelo revisto. Sempre que me deixo deslizar para a beira da cama caio no precipício de uma praia, velha conhecida. Nada mudou no banco de madeira que plantaram em frente ao mar, promontório de gaivotas aterradas. Ainda lá está a farpa que enterrei no dedo anelar direito. Posso senti-la quando escondo as mãos debaixo das pernas, como me disseram  que fazem as pessoas ansiosas. Esperamos um por do sol que já veio, sentados, lado a lado, com o olhar fixo na linha do horizonte que, a esta hora, é uma lâmina prateada a oscilar ao ritmo do vento norte. 
Tenho a vida suspensa pela desesperança que digas uma frase capaz de mudar a minha vida. Ouço o mar, o vento, os gritos das gaivotas, vejo a areia que dança em nosso redor, a sombra de um barco lá muito longe, a tua expressão de enigmática felicidade e, como sempre, a tua boca pronunciando palavras que não consigo ouvir. 
Mas depois, no pesadelo, passo o polegar pelo anelar e sinto a cicatriz de uma farpa que já o habitou e dele já foi extraída e percebo que aquele banco, aquela praia, aquela espera, pertencem a uma dimensão que já se fechou. 
E então reposiciono-me no colchão, no sentido do centro, e tu desvaneces-te no caminho do mar e é noite escura, sem lua nem estrelas, e é a minha cama, esterilizada de areia e de sal. 
E, assim, regressada, lembro-me que não há frase que te coubesse capaz de mudar a minha vida. 

2 comentários:

  1. nã devias dormir para norte... mas quando lá voltares, leva-me contigo, já tenho saudades do sol dormir a oeste :)

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