sábado, 27 de março de 2010

Notícia da semana: Os Loucos


Os estudos revelados esta semana, embrulhados na santa credibilidade da Organização Mundial de Saúde e dos cientistas de Harvard, garantem-nos que 23% dos portugueses sofrem de doenças mentais. No que me diz respeito, recebi esta informação com grande alívio.
Desde os cinco anos que sofro de fobia de malucos (não conheço o nome técnico, nem me consta que seja uma fobia catalogada). Tudo começou numa linda tarde de verão quando à saída de um parque infantil estrategicamente colocado ao lado de um centro de doentes mentais, fui atacada por um adolescente com trissomia 21 que me roubou um corneto de morango. Desde então, cada vez que pressinto um louco num raio de 200 metros fico mais gelada que o corneto que não comi.
Depois do episódio do parque infantil seguiram-se muitos outros. Assim de momento e só para referir os mais marcantes, lembro-me do “Toino Sanita” que rondava a minha escola e estava sempre à espera que eu passasse para despir as calças e exibir as suas partes íntimas; do “cabeças” que se passeava pela cidade em passo apressado com um pau na mão que reza a história que nunca foi usado excepto no dia em que decidiu bater-me com ele e do “Ronco” que enquanto se limitava a rosnar a quem passava, elegeu-me a mim para me morder uma orelha. Tudo isto antes de eu completar os meus dez anos.
Depois desta infância traumática, a perseguição continuou na faculdade, onde os loucos já não se despiam em público mas tinham uma especial predilecção por se sentar ao meu lado e me encherem os ouvidos com as suas igualmente despudoradas alucinações sociais.
Por fim vim viver para Lisboa – esse hospício a céu aberto – e o problema intensificou-se a tal ponto que durante todo o tempo em que vivi numa rua cujo nome vem no monopólio tinha por vizinha uma louca varrida que se divertia a esperar que eu entrasse no elevador para subir comigo. Depois era ver-me pequenina e aterrada de encontro às paredes de plástico com a doida em cima de mim a murmurar-me excertos da bíblia.
Quando finalmente mudei de casa e de zona lá estavam eles mais uma vez à minha espera. No preciso momento em que escrevo sei, porque o sinto, que há um maluquinho plantado no meio da rotunda, a rir de braços abertos para os carros que passam. Vocês diriam que é inofensivo, eu informo que é o suficiente para me impedir de sair de casa a pé.
Pelo meio houve muitos outros. Em especial, aqueles que se escondem em quotidianos aparentemente incompatíveis com a loucura, que até têm doutoramentos e tudo e que só estão à espera da primeira vez em que se apanham sozinhos no sofá lá de casa para nos contar tudo sobre o esgotamento cerebral que tiveram aos dez anos de idade. Do momento da revelação até concluírem que eu represento as forças do mal, vai meio copo de gin tónico. Estes são especialmente perigosos porque têm o nosso número de telefone, sabem onde moramos e têm meios financeiros para nos perseguirem durante muito tempo.
Andei todos estes anos convencida que a minha desgraça tem apenas duas explicações possíveis: Ou são os malucos que possuem a mesma capacidade canina para o farejamento do medo, ou sou eu que nasci com um néon na cabeça, onde está inscrito, em todas as línguas do mundo, “Vinde a mim, maluquinhos”.
Agora, finalmente, recebo a justificação oficial. A minha desdita é uma questão estatística. Em cada cinco pessoas sentadas à nossa mesa, há uma que bem pode lembrar-se de sacar de uma arma e dar-nos um tiro só porque imagina que está numa caçada e nos confunde com um coelho.
Resta-me o alívio do conformismo inerente a todas as coisas que não têm remédio.


P.S. Claro que há quem diga que a fobia de malucos é determinada pelo inconsciente medo de enlouquecer (essa sei, é a lissofobia) que, provavelmente, já será uma doença mental. Isso também me conforta. Se fizer jantares apenas de quatro pessoas e puder considerar que eu sou um dos malucos presentes, a minha probabilidade estatística de morrer de velhice aumenta para níveis muito satisfatórios.

2 comentários:

  1. Como a Medusa entende a Cuca... partilhando a minha quota de 23%:

    Aos onze anos de idade foi vítima de um pedido de casamento pelo "Aperta a Mão".

    Era presa fácil do "Quim Gagá" (Lady Gaga não é um nome original, eu posso certificar), que andava sempre com uma saca plástica numa mão e moedas noutra a gritar por Espinho fora.

    Morria de medo 1. da "Zuca" - empregada do pavilhão 5 do Liceu de Espinho que aparecia com buracos na cara feitos sabe-se lá com quê; 2. do "Bacelar" - um bêbado crónico a quem as peixeiras de Espinho vestiam de mulher.

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  2. Lá está! Confirma-se! É uma questão estatística. Niguém escapa aos doidos.

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