sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Já não engano ninguém



Agarrei o meu sorriso complacente até à cãibra maxilar. Não me esqueci de pousar as mãos no colo, evocando uma plácida Mona Lisa. Mantive a voz pastosamente doce, num timbre próprio para adormecer carneiros. Turvei o olhar para lhe roubar firmeza, enfeitando-o com bondade telenovelística. Os passos foram suaves, entrecortados com uma ou outra nota de fingida indecisão. Os modos, de princesa russa que se alimenta a fabergés.
Encenei o choque perante os horrores da vida. O êxtase diante dos poucos finais felizes. A temperança conformada em presença da mediania.
Nos tempos mortos, espelhei a plácida felicidade dos patetas.
Fui perfeita na encarnação do meu papel. Mantive-o dia após dia. Fiz as vénias obrigatórias antes do cair do pano.
Ontem, o ingrato público cuspiu-me a crítica desenganada:
Pragmática.
(Esse terrível eufemismo para besta humana, com falta de sensibilidade e excesso de arrogância).

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