terça-feira, 10 de junho de 2014

Amor epistolar 1

Percebo agora que nem no alto mar é possível preservar o coração embrulhado em celofane.
Esta que vos escreve, à semelhança de todos quantos habitam o mesmo navio, não escolheu a vida de pirata apenas pelo gosto sanguinário do crime, o bálsamo do cheiro da liberdade na onda de uma maré, ou essa balada quotidiana que nos embala o coração de ciganos dos mares. 
Aqui, todos fugimos de alguma coisa e eu escolhi fugir do amor.
Mas Eros, a criança assassina, tem formas ardilosas de nos fazer olhá-lo dentro dos olhos, deixando-nos presos do reflexo do nosso próprio sorriso de basbaque.
A minha correspondência com Herberto, o escritor, iniciou-se de uma forma acidental e imbuída do espírito de inocência que sempre gera os mais insolúveis dramas humanos.
Passaram-se três meses. Contam-se mais de vinte cartas.
Será possível amar-se alguém que nunca se viu?


Quadro de René Magritte

2 comentários:

  1. Não se foge do amor. O amor é um sádico e desesperante mas quantas vezes não é a única força que nos sustenta a vontade. Diz o escritor que o essencial é invisível aos olhos... e eu acredito.

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  2. Olá Cuca,
    Sim, eu creio que é possível amar alguém que nunca ou mal se viu. É mesmo como lembra a M D, o essencial é invisível aos olhos.
    Beijo,
    Susana

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