Sim, talvez tenha sido amor.
É um rótulo de design post moderno
que fica bem em qualquer frasco de vidro e aço escovado
desses que se esquecem na bancada da cozinha
e onde o açúcar se vai entorrando com os anos
tornando-se pouco prático para consumo
numa pequena chávena de café que se quer amargo.
Sim, talvez tenha sido amor.
É uma explicação art decor
integrada no feng shui do sofá da sala de estar
que não contradiz a dimensão pop do relógio de parede
com o tempo convenientemente congelado às dez e dez
que é a hora da perfeição estética do mostrador
e agente inibidor de toda a angústia que há na rotação da terra.
Afinal, o amor é sabão azul que se espalha na psoríase,
entranha-se na pele e, subindo a via sacra que vai das veias até à alma,
ilumina as caves mais esconsas de qualquer mente embargada
purificando-nos a todos do terrível pecado da banalidade
em que aceitámos viver o resto dos nossos dias.
Por isso, sim, talvez tenha sido amor,
mas, por favor, querido, jura mais baixo,
que ainda te ouvem os vizinhos
e acordas-me o cão.