Com a canícula ainda agarrada à carne
e a emergência da verdade nos restos do sonho da sesta
declaro-te que não sei do que falas quando dizes amor.
Há também aquele anjo de louça,
ajoelhado em inútil oração,
de castigo de encontro à porta da vizinha inglesa,
e lamento-o, quando por ele passo, depois do cansaço do dia,
Mas não lhe digo que o amo.
Ou a papoila selvagem que insiste em nascer de um resto de terra,
entre a calçada e o canteiro,
e é o meu pequeno milagre do fim do inverno,
que nunca sobreviverá à primeira lua do verão.
Mas também a ela não juro amor.
Há o gato que coabita o meu telhado e,
no sol frio da manhã,
estende a pata ferida para verificar a eficácia das garras contidas.
Não seria capaz de amá-lo.
Nem sequer ao louco que desfila na rua
e engole com os olhos dementes
os meus mais tristes segredos,
para os guardar dentro da bizarra cartola
que nunca o vi estender
na direção dos outros transeuntes.
E este ser
que é soma do anjo de louça,
da papoila intermitente,
do gato ferido e do louco vadio,
declara não supor,
declara não supor,
sequer,
do que falas,
quanto dizes amor.