sábado, 30 de março de 2013

Postais intergalácticos





Haverias de me odiar hoje pelo peso da nostalgia. Há dois dias que sou atormentada pela tua expressão de placidez etérea estampada na capa de um livro. Acho que o que me perturba é a falta de memória de a ter visto em ti. Talvez seja legítimo photoshopizar os mortos para lhes devolver uma tranquilidade que nunca lhes pertenceu. Fica-te bem. Fez-me pensar que pessoa terias sido se tivesses entrado numa loja dos chineses e comprado aquela expressão. Depois entregavam-ta num saco de plástico azul e irias rua fora a abaná-la ao ritmo de um pensamento mais insistente. Ou talvez a tenha visto e já me tenha esquecido. Dirias que começo a perder o controlo da amnésia e terias a habitual razão. Não sei se o magnésio ainda se vende em ampolas cor-de-rosa pastilha elástica. Se vender, talvez o compre para condizer com as minhas sandálias novas. 
Escrevo-te para te lembrar que é Páscoa porque duvido que haja disso no sítio onde te foste enfiar e não quero que percas hábitos de civilidade para o caso de ter de ter que conviver contigo numa outra vida. Um dia sentámo-nos numa varanda e desembrulhaste um ovo de chocolate gigante que comemos com vinho tinto. Mas também podia já ser Natal. A verdade é que o chocolate sabia a mofo e serviste-me um discurso de uma hora sobre as minhas manias de burguesa. Uma hora depois o chocolate continuava a saber a mofo, o vinho acabou-se e, de acordo com a memória estatística, eu devo ter-me ido embora farta de ti. 
Quanto às minhas manias de burguesa, sobrevieram-te, persistindo até hoje embaladas pelo som da tua voz de censura que por vezes ainda se vem instalar nos meus ouvidos, agora reduzida à triste função de grilo falante de uma consciência carente de apoio em permanência.  
De qualquer forma, acho que atualmente as galinhas já nem sequer põem ovos de chocolate. O mundo parecer-te-ia muito melhor se pudesses voltar. E a convivência com os teus muito mais tolerável. Especialmente agora que nos ensinaste a solidão.
Vê lá isso da Páscoa com cuidado. Ouvi dizer que é boa altura para se ressuscitar. 


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