sábado, 1 de novembro de 2014

O injustificável

Enquanto fingia ouvi-lo ensair uma patética tentativa de justificação do injustificável, ocorreu-me que aquilo que têm em comum os seres humanos, que mais drasticamente os distingue dos outros animais, é a necessidade de se fazerem compreender.
A Dona Rosa da padaria dois quarteirões acima de mim, o esquimó que esta manhã casou a filha mais nova, o psicopata assassino condenado à morte por um juri nos EUA, o tenista que acaba de perder um jogo decisivo, o índio que regressa à sua reserva com as botas sujas de pó, a bailarina espanhola que esbofeteia o seu amante, o político caído em desgraça duas semanas antes das eleições, o rapaz que caiu do skate e partiu um braço, a vendedora de flores de olheiras fundas, o escritor que esta tarde apresenta pela primeira vez o seu novo livro.
Todos eles, movidos e unidos pela obsessiva, cansativa, infindável, permanente, desesperada necessidade de se fazerem sempre compreender por toda a gente.
O que nos une a nós e nos separa dos outros, senhores, não é a linguagem, a capacidade de auto-reflexão dos atos, o salto metafísico da pseudo-racionalidade, o reconhecimento das nossas trombas no espelho do átrio da entrada. Tirando o último, que é um mito, todos os outros são consequências. O que nos une e nos separa das outros é a inútil e constante necessidade inata de sermos compreendidos.

2 comentários:

  1. Tanto como de sermos gostados. Creio que tens razão e disseste-o de forma admirável.

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  2. Absolutamente verdade. Tal e qual quando se desculpam, que sim, que tenho razão. Eu não quero desculpas, nem quero ter razão, quero tão somente que entendam as razões têm regras e que se jogarem limpo, estamos todos na mesma onda.
    Adorei ler.

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