sábado, 12 de outubro de 2013

Diário de Bordo #3


À hora que vos escrevo, estão lançados os dados da sorte deste navio e sua tripulação corsária. O ataque secreto ao petroleiro acontecerá amanhã ao raiar do dia. Não há nenhuma razão especial para que a abordagem não se faça lá pelas onze da manhã ou da noite, opção porventura até mais cautelosa e inteligente. A motivação é profundamente egoísta, já que nunca fiz nada ao raiar do dia e, provavelmente por causa disso, tem-me falhado na vida a oportunidade de usar esta expressão que, acabo de o perceber, tanto me agrada. Seja como for, foi assim que combinámos e agora já não poderia voltar atrás mesmo que quisesse, porque se há coisa que mantive dos tempos em que era uma pessoa de bem e tinha um emprego normal, ou mais ou menos isso, é a irrevogabilidade absoluta das decisões comunicadas. 
A ideia partiu dos pescadores gregos que fizemos reféns depois de nos terem implorado que não os obrigássemos a regressar às suas mulheres, mas foi imediatamente acolhida pelo resto da tripulação com urras hey ohs e vivas. Álvaro de Campos, o engenheiro naval, depois das reticências iniciais, acabou por ter um contributo válido já que é o único com formação académica em navios e deu-nos uma palestra sobre as fragilidades do petroleiro que amanhã faremos nosso.
Confesso que o meu défice de atenção, que alguns maldosamente insistem em confundir com autismo, fez com que só tenha podido ouvir os primeiros dez minutos. Ainda assim, tenho razões para crer que, sendo eu Pirata e capitã e tendo uma vastíssima experiência profissional em atividades que são obscuras para o comum das pessoas, no momento próprio saberei exatamente o que fazer.
Encarreguei Andhrimnir de nos preparar uma refeição especial já que pode muito bem ser a última. Comeremos hamburguer com trufa, uma coisa muito fina que experimentei num restaurante de Lisboa e que perante o meu ar enjoado me garantiram ser o último grito da gastronomia. 
Os bravos Piratas que me acompanham revelam um espírito de tal forma corajoso e desprovido de qualquer receio da negra morte, que uma alma menos crente na natureza humana facilmente poderia pensar tratar-se de inconsciência total.
Neste preciso instante, a bordo do navio, dir-se-ia ser um sábado normal. As bloggers pintam as unhas umas às outras revezando-se entre a fotografia para o instagraam e as últimas novidades de um concurso que corre aí pela blogosfera; os presidiários traficam pósteres de mulheres nuas indiferentes ao facto de este navio estar cheio de gente que passa o dia em biquini; os poetas estão sentados num canto do convés a dizer mal dos críticos e a queixarem-se da comercialização da literatura; Gualtiero, o Italiano, ocupa-se de estar apaixonado já não consigo acompanhar por quem; o gigante repara os danos no mastro deixados pela última tempestade; Álvaro de Campos mergulha num coma alcoólico de absinto…
Quanto a mim, passei as últimas duas horas a olhar para este arsenal de shot guns que encomendei a um amigo que vive em África e sabe onde se arranjam estas coisas e a pensar onde raio estava com a cabeça quando decidi faltar ao curso especial de tiro que o Ministério da Defesa Nacional, sempre oportuno, me ofereceu no ano passado.
Constato, com alguma tristeza, que ainda não tenho o suficiente a perder para ter o privilégio de conhecer essa útil emoção a que chamam medo.

4 comentários:

  1. Finalmente a acção! Escovar gatos e pintar carapaças a cagados (com acento?) começa a tornar-se deveras aborrecido e não vejo a hora de tomarmos algo de assalto, até porque já tenho o Insta-D-Ram atrasado vai para quase uma semana. A espera é o pior de tudo, assim como o é o medo de ter medo. O verdadeiro heroísmo é saber conquistar o medo, e se não o sobremos vencer, olhe capitão, juntamos-nos ao molho de cagados ( sem acento) que partilham a mesma ( pouca) convicção. Arrr!

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    1. Que raio será "sobremos"? Mais um neologismo da Apple, sem dúvida...." Juntamos- nos" também não lhe fica atrás.

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  2. E elas, raladíssimas, as mulheres de Atenas, entretanto, pelos seus maridos pescadores:
    Mirem-se no exemplo
    Daquelas mulheres de Atenas
    Temem por seus maridos
    Heróis e amantes de Atenas

    Palavra de Chico, Graças a Deus!

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    1. "mas no fim da noite, aos pedaços, quase sempre voltam para os braços das suas pequenas helenas"

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