sábado, 19 de fevereiro de 2011

Itinerâncias

Há o esforço inconsciente. Aquele de que não gostamos de falar. A recusa mental em decorar mais nomes do que os indispensáveis. O hábito de chamar porteiro ao porteiro e empregada à empregada. O acumular de contactos telefónicos destinados a tornar-se inúteis três estações depois. A preocupação de estabelecer rotinas de sobrevivência mas evitar os hábitos enraizados. Desenvolver relações que devem ser cordiais mas que não podem ser profundas.
Com o tempo deixamos de querer que nos contem as histórias deles. Não temos quiosques de eleição. Preferimos estações de serviço. Compramos a mesma marca de perfume para casas diferentes para que possamos fazer de conta que vivemos dentro da mesma. Não ouvimos o ranger da gaveta partida nem substituímos as lâmpadas que deixarão de ser um problema em breve.
Porque em breve haverá sempre outra casa dentro de outra cidade e outras mãos a cozinharem-nos os jantares e outras paisagens a condizer com o café da manhã.
E nesse jogo viciado pela nossa prévia certeza de efemeridade não são apenas as cidades que se tornam temporárias. É a nossa vida que é aprazada. Como uma caixa de ovos com data de validade carimbada. Com o lixo como destino.
Nós, os itinerantes, treinamos incansavelmente a adaptação mas só conseguimos aprender o desapego.


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