quinta-feira, 19 de julho de 2012

A trapezista

Começou a subir aos telhados.

Começou a resolver neles muito tempo.


[Primeiro, os dedos na janela mais acima.

Depois, era o cabelo que subia.

Um pulso a içar a alma para outra cidade.]


Daqui vê-se tudo.


O meu corpo só de ar!______

(Não. O corpo entre o corpo e o medo)


Pla janela a macaca ruiva

Os gatos deitam-se e lambem-me os pés.


Os pés sobem molhados pela chuva.

Os homens congeminam negócios estendidos nas mulheres.


As crianças gritam dentro das casas quando os sonhos

lhes arrancam pedaços das costas.


Os homens caminham com quadros pendurados nos joelhos

As pessoas escrevem artigos nas revistas

sobre o que seria o mundo se alguém do outro lado as ouvisse


E é então que eu saio

e sobre os ombros das árvores disponho a economia

cravando-lhe os dentes ou

roçando apenas o meu sexo

no trapézio


Inclino-me sobre a sua demência particular

neste dia emparedado entre sucessos e crisântemos

e as crises

e ouço as ruas onde lá em baixo uma pessoa

ajeita um pouco melhor os ossos


Aquela mulher fabricou uma cozinha resistente a tudo

atravessou os séculos assoberbada de electrodomésticos

inexpugnáveis – ao fim-de-semana envolvia-os em celofane e espanava

um pouco melhor os filhos


Mais à frente o parque onde as estratégias se apresentam -

o presidente à frente, seguido pelo hidrogénio ou o hélio

- conforme a posição do sol no buço da democracia –

e o écran reflectindo o écran e a

maresia.


Aqui no alto rodo os pés e alongo mais os braços.

Nos primeiros meses estendia-me com o corpo para baixo e deixava

o sangue inundar a cabeça. Via manchas vermelhas da

menstruação por entre os amigos que prometia esquecer.

Eles traziam-me os seus corpos nus e eu aquecia as suas unhas

cravadas pelo vidro.


Dizem: se os videntes permanecem firmes perante pequenos tiranos

podem chegar a suportar a presença do incognoscível.

Todo o conhecimento é o resultado de uma deslocação.

Se é verdade que todos os caminhos são iguais?

Sim. Pois não te conduzem a lugar nenhum.

Se quiseres fazer como o feiticeiro índio da tribo iaqui,

perguntarás: e esse caminho tem coração?


Perdi a minha agenda de fenómenos electromagnéticos.

Não sei por isso de que lado esperar

este súbito irromper

da melancolia.


in Rui Costa

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