A capacidade de ultrapassar as perdas é uma característica inata nos seres humanos. Infelizmente, alguns nascem com uma deficiência na alma que os torna absolutamente imunes aos efeitos da passagem do tempo na intensidade do desgosto.
Como quem nasce sem audição ou sem olfacto eu nasci amputada na possibilidade de ultrapassar as minhas perdas.
Não há imagem de pinhal que não me retorne a angústia de ter perdido a boneca Clara na sombra de um pinheiro. Trinta anos.
As castanhas assadas no S. Martinho sabem-me, todas, à morte do meu avô. Vinte e um anos.
Qualquer passagem por prateleiras de supermercado com latas de comida de animal seca-me a garganta na memória do gato Óscar. Catorze anos.
Acordar todas as manhãs continua a ser uma bofetada diária feita de cinco dedos de ausência daquele que foi toda a minha vida futura. Três anos.
E por fim…
…Um mês.
Se ao menos hoje eu conseguisse passar por um pinhal sem reviver o desgosto da perda da boneca Clara, ainda poderia ter esperança. Esperança que daqui a trinta anos menos um mês, a minha última perda – e a maior de todas elas – pudesse, finalmente, ser ultrapassada.
Este poderá porventura ser o post mais racional e afecto à realidade que li nos últimos tempos.
ResponderEliminarApenas discordo do primeiro parágrafo na medida em que não acredito que as perdas se possam ultrapassar - caso contrário não se usaria a palavra "perda" em detrimento de outra. Estou abraços com uma problemática semelhante e acredito piamente que o que interessa realmente é relativizar, até porque me parece mais tangível do que ultrapassar. O Tempo fará o resto. Boa sorte!
todos nós temos a nossa carga de tralha e velharia. todos. há sempre um sótão poeirento.
ResponderEliminar(...)
ResponderEliminar