segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Eros

Uma vez a cada cinco anos, nem mais nem menos, deixo sair o deus menor da muito subterrânea cave onde o mantenho aprisionado. Liberto-o das correntes, retiro-lhe a mordaça, escovo-lhe as penas das asas e, desarmado de arco ou flecha, permito-lhe que se passeie pela sala, assome à janela e se sente num canto do sofá. Nåo autorizo que me olhe nos olhos; não o deixo tocar a sua música; não o perco de vista por um inteiro segundo.
As razões pelas quais lhe aligeiro o cárcere não são humanitárias. Eros é um deus, ainda que menor, é culpado e não se lhe aplica a comiseração que é devida aos homens. O ritual é um ato de fé. Se preferirem, de desesperançada esperança na reabilitação do prisioneiro.
Invariavelmente, durante um mais longo pestanejar, o deus menor, sem arma nem munições, ensaia uma tentativa de rebelião e acaba por me destruir a sala inteira.

2 comentários:

  1. Há um livro de poemas do Bukowsky que vai muito bem com este texto: Love is a dog from hell.

    Recomendado a quem gosta de destruir (ou ver destruir) divisões da casa.

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  2. “only each time
    you think
    well now I've learned:
    I'll let her do that
    and I'll do this,
    I no longer want it all,
    just some comfort
    and some sex
    and only a minor
    love.“

    Dessa mesma fonte. :)

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