segunda-feira, 21 de abril de 2014

Diário de Bordo

Durasse a visita de estudo outros sete dias e talvez a velha Itália não lhe sobrevivesse.
Logo que esta gente se apanhou em Florença, juntou a arte do roubar ao vício do colecionismo e foi atacada pela súbita mania de se fazer acompanhar por inúteis recuerdos arrancados de todas as vielas por onde passou.
E quando digo arrancados, quero mesmo dizer arrancados. A Ponte Vecchia, por exemplo, ainda há uma semana era uma ponte florentina e agora está transformada numa gigantesca fatia de queijo suiço. Não houve batedor de porta em forma de gárgula que sobrevivesse; placa histórica que não tenha mudado de residência para dentro do navio; estátua que se tenha mantido íntegra à nossa passagem. 
À proibição de fotografar a Primavera de Botticelli, responderam com o surripianço da dita, que agora decora a parede da nossa sala de refeições, mesmo por baixo de um pedaço do tecto da Uffizi que um deles também se lembrou de trazer para fazer conjunto. 
A mania, em vez de desaparecer com o tempo, foi-se agravando Itália fora. Nos últimos dias, substituíram as tradicionais mochilas de turista por contentores. Tenho a cabeça da estátua de Guilietta pendurada no mastro; uma pequena plantação de vinhas de Chianti no convés do navio e, presas por uma corda, nada menos que dez gôndolas roubadas numa noite de lua cheia. 
No dia da partida, organizaram uma mini-rebelião na Praça de San Marco e disseram que só voltavam se os deixasse trazer a orquestra do Caffè Florian, duas mesas e quatro cadeiras e metade do serviço de porcelana.
Confesso que só acedi porque achei uma certa graça à ideia de sequestrar os músicos, privando os turistas japoneses da banda sonora das filas da basílica.
Foi uma péssima ideia. Afinal a orquestra tem um repertório muito limitado e passa os dias pelos corredores do navio a tocar o "Por una Cabeza" do Carlos Gardel. 
Não fosse o meu temor pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e já os teria mandado a todos borda fora.
Imbuída deste estado de espírito de profunda irritação decidi, pela primeira vez, legislar sobre o vestuário da tripulação. Aguentei em silêncio as falsas pernas de pau com brilhantes swarovski, os lenços Hermès de motivo nada piratístico, brincos e pulseiras desajustados, camisolas que nem sequer são de riscas. Agora, máscaras venezianas??? Piratas de máscara veneziana??? 

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