sábado, 26 de abril de 2014

26 de abril

Na ressaca do 25 de abril, e também em sentido literal, esta brava tripulação Pirata tirou a tarde de hoje para me chatear com essa coisa da liberdade. 
Primeiro, puseram os músicos do Caffè Florian a tocar o "Depois do Adeus" do Paulo de Carvalho. Em seguida escreveram cartazes onde se podia ler a contextualmente incompreensível declaração "Nem mais um soldado para as colónias". Depois, espetaram cravos vermelhos na ponta dos sabres e, por fim, não se desse o caso de eu ainda não ter percebido onde queriam chegar, começaram a gritar pelo navio fora que "liberdade ou muerte", assim mesmo, em péssimo sotaque portunhol. 
Lá pelas seis da tarde, o convés do navio parecia uma recriação do largo do Carmo, mas com cadeiras de design no lugar de chaimites e vestes de Pirata em vez de farda militar. 
Noutros tempos, ter-lhes-ia dado dois gritos e tentado explicar que a coisa mais parecida com colónias que aqui temos são as gôndolas roubadas que atracaram ao navio contra a minha vontade, que isto não é uma nação mas um emprego e são livres de se irem embora quando quiserem, que a maioria das decisões já é tomada por sufrágio universal e que não tendo nós leis nem constituição, esta revolução é, no mínimo e respeitosamente falando, muito parvinha. 
Mas a experiência adquirida - nos tempos em que era uma pessoa de bem e tinha uma profissão quase normal - ensinou-me que o poder instituído não dialoga com revolucionários. 
Decidi, pois, que o melhor seria juntar-me à luta, empunhar um dos cartazes contra a guerra nas colónias, enfiar um cravo no cabelo e gritar mais alto do que todos "liberdade ou muerte". 
Pelas sete da tarde, perante uma oposição ao poder composta pela unanimidade dos governados, declarei a revolução bem sucedida e perguntei-lhes o que queriam fazer agora quanto ao vazio do poder. Cinco minutos depois, sem nenhuma surpresa, concluíram que o melhor era proclamarem-me capitã.
Comecei por fingir recusar o cargo, dizendo que estou farta de resolver problemas burocráticos e que também quero ser governada. Mas depois de vários pedidos e aclamações lá aceitei retomar o meu lugar de capitã.
Claro que, agora que fui democraticamente eleita, exigi receber um salário condigno. 
Para aprenderem a não andar a brincar às revoluções.

2 comentários:

  1. Por precaução, reservaria já um espaço na web, chamando-lhe, talvez, talvez, www.26abril.org. Nunca se sabe, talvez a tripulação sinta a vontade de virar-se para o movimento associativo... Lá diz o ditado, não há revolução sem associação!

    Boa noite, Cuca :)

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    1. Caro Xilre, tentei fazer como me recomendou. Mas esta caixa de mensagens é vigiada e desconfio que um dos revolucionários Piratas se antecipou no registo...

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